AUTOCUIDADO, LETRAMENTO E ÉTICA: elementos fundamentais à proteção digital

Larissa Matos – Advogada. Pós-doutora em Direito do Trabalho (USP). Doutora em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo (USP), aprovada com láurea (cum laude). Doutorado sanduíche pela Universidade de Barcelona (Programa Capes-Print). Mestra em Direito do Trabalho pela Universidade de Palermo. Diretora da Escola Superior da Advocacia Trabalhista Nacional (ABRAT – gestão 2024/2026). Professora de pós-graduação. Integrante do Núcleo de Pesquisas o Trabalho além do Direito do Trabalho (NTADT-USP/Coordenado pelo Professor Guilherme Guimarães Feliciano), com foco no eixo de Inteligência Artificial.

Oscar Krost – Juiz do Trabalho (12ª Região). Mestre em Desenvolvimento Regional (PPGDR/FURB). Diplomado em Nível Superior em Relaciones de Trabajo y Sindicalismo (FLACSO/Argentina). Professor. Membro do Instituto de Pesquisas e Estudos Avançados da Magistratura e do Ministério Público do Trabalho (IPEATRA) e Integrante do Núcleo de Pesquisas o Trabalho além do Direito do Trabalho (NTADT-USP/Coordenado pelo Professor Guilherme Guimarães Feliciano).

Em tempo algum da história humana nos deparamos com tantos avanços e saltos tecnológicos quanto nas últimas décadas. Para além do como fazer as coisas, pela mecanização e informatização, o pensar e o relacionar sofreram verdadeiras rupturas paradigmáticas.

Vivemos na era da velocidade da informação, da hiperconectividade, das interações sociais céleres e fluidas, que promovem a ânsia de manifestações, exposições e exibições, por vezes excessivas, e que inevitavelmente envolvem a exibição de dados.

Ao contrário do senso comum e do discurso hegemônico, o plano virtual não representa um espaço distinto, dissociado e independente do material, em uma realidade paralela. São partes de um todo, complementares e relevantes, funcionando a tecnologia como mediadora de determinadas ações e interações, existentes desde sempre, porém, sob a forma analógica.

Só que isso não é compreendido por todos e, assim, alguns atuam como se o mundo digital fosse algo totalmente diferente, tivesse outra natureza jurídica, na qual as relações e interações devem ocorrer sem regulação, numa confusão entre liberdade e libertinagem. E é nesse cenário que as Fake News, os discursos de ódio e ataques misóginos e racistas se proliferam, como se houvesse uma autorização para tanto – as normas éticas e jurídicas são claramente deixadas de lado. Alguns, inclusive, em suas falas incoerentes, ao condenarem aqueles que tentam promover uma regulação mínima das redes sociais, confundem liberdade de expressão com a liberdade de agressão. Parece que tudo pode! Parece que o meio digital é terra sem lei!

Além disso, os sujeitos de direito, ao agirem como “usuários” da internet e “membros” das redes sociais, parecem não entenderem as dinâmicas digitais, se portando com absoluta falta de cautela ao divulgar dados pessoais em interações digitais, expondo a si e a terceiros, inclusive crianças e adolescentes, a riscos incalculáveis. Agem sem ter ideia dos riscos e impactos!

Diante dessa realidade, na era da informação e de intensa conectividade, é preciso estabelecer patamares elementares de zelo, a partir de três conceitos-chave: autocuidado informacional, ética digital e letramento digital.

O autocuidado informacional é a cautela que devemos ter com nossos dados e com as informações que consumimos, alteramos e compartilhamos. Ele está ligado ao nosso comportamento ético e a nossa responsabilidade de agirmos e nos comportamos em conformidade com as normas éticas e jurídicas. Afinal, como cidadãos, não somos somente sujeitos de direitos, mas temos deveres em relação ao outro e para como o Estado.

Em razão disso, temos o segundo elemento que é a ética digital, ou seja, o respeito às normas e princípios que regem os nossos comportamentos no meio digital. A ética nos impõe uma atuação consciente e que se justifique dentro de padrões e valores que necessariamente precisam ser observados em qualquer relação social, e não é diferente no meio digital.

Na sequência, aparece o letramento digital, assim entendido o conhecimento que permite avaliar, sopesar e agir de modo cauteloso, criterioso e responsável em relação aos próprios dados e dados de terceiros – o que demanda a utilização de informações de modo crítico, a partir da compreensão de como funcionam as plataformas digitais, de como se dão os impactos tecnológicos na saúde física e mental, de como tudo isso pode afetar a democracia e o exercício da cidadania etc.

Como nos legou o poeta Antonio Machado, “caminhante, não há caminho, se faz caminho ao andar”, o que pode ser aplicado à proteção de dados – processo em eterna construção. E isso é desafio constante, em que a única certeza parece ser a mudança.

Logo, não se mostra excessivo afirmar que inexiste, no plano teórico, proteção de dados, pois a proteção de dados se faz ao proteger, no plano concreto – desafio que exige tempo, experiência, atenção e responsabilidade. E tudo isso começa em casa, jamais com a ação do Poder Público ou de terceiros, igualmente responsáveis pela proteção e pelo tratamento de dados.

Bibliografia

* KROST, Oscar. LGPD no Direito Individual, Coletivo e Processual do Trabalho: desafios e possibilidades. In: SILVA, Aurélio Miguel Bowens da; GUNTHER, Luiz Eduardo (coordenadores). ESG, tecnologia e trabalho – uma homenagem ao eterno Cesar Luiz Pasold. Porto Alegre: Paixão, 2022, p. 184-206.

* MACHADO, Antonio. Cantares. Tradução Maria Teresa Pina. Disponível em <https://blogs.utopia.org.br/poesialatina/cantares-antonio-machado/>. Acesso em: 23 set. 2024.

* MATOS, Larissa. Direito Digital do Trabalho: a proteção de dados e o monitoramento corporal no contexto das relações de trabalho. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022.

* MATOS, Larissa. Inteligência Artificial, Algoritmos e Direito do Trabalho. São Paulo: Editora Mizuno, 2024.

Publicado por okrost

Alguem em eterna busca.

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