“BATE-PAPO NA LABUTA” COM ANTÔNIA MARA VIEIRA LOGUÉRCIO

ANTÔNIA MARA VIEIRA LOGUÉRCIO é natural de Bagé (RS), Bacharel em Direito (UFRGS), atuou como Advogada com escritório próprio e junto à Rede Ferroviária Federal S/A, além de Assessora Parlamentar na Câmara de Vereadores de Porto Alegre e Juíza do Trabalho do TRT da 4ª Região, instituição na qual se aposentou em 2008. Atuou como organizadora do livro “A lei trabalhista da República Popular da China” (editora Anita Garibaldi), como coautora de Altamiro Borges na obra “Questões polêmicas sobre a jornada de trabalho” (Nota Dez/HS Editora) e palestrado em vários estados do Brasil, alem de Argentina e Uruguai. Foi presa política anistiada durante o Regime Militar e, atualmente, é 2ª Secretaria e integrante do Conselho Deliberativo da Associação de Ex-presos e Perseguidos Políticos do Rio Grande do Sul (AEPPP-RS), eleita no dia 15 de abril, último, além de integrar a ADJC (Associação de Advogadas e Advogados pela Democracia, Justiça e Cidadania).

Dra. Mara, como é conhecida e chamada nos grupos de WhatsApp e nas rodas de conversa, honrada pelo convite, de imediato aceitou participar do “bate-papo na labuta”, seção do blog “Direito do Trabalho crítico”.

1. Muito obrigado, mais uma vez, pela gentileza em se dispor a colaborar com este espaço. Sua primeira manifestação, em resposta ao convite, foi pôr em dúvida o atendimento de supostos requisitos para tanto, considerando não haver participado de formação em nível de pós-graduação, mas também lembrando de um valor ensinado em casa de que “o bom julgador por si julga os outros”. Como Antônia Mara foi apresentada ao mundo do trabalho e que caminho trilhou até o Direito do Trabalho?

R: Meus pais sempre foram muito católicos, mas não supersticiosos. Ensinavam-nos a conhecer a vida e a doutrina de Cristo em toda a sua concretude, embora, talvez nem tivessem consciência disto. Sempre nos prepararam teórica e praticamente para termos um senso de Justiça muito agudo.

Não é fácil para um casal onde ele era ferroviário e, por circunstâncias, nunca chegou a frequentar uma escola, tendo sido alfabetizado pelos irmãos em casa, e ela dona de casa que havia cursado até o 3º ano do ensino fundamental da época, tomarem a decisão de colocar os seis filhos na Universidade. E mais difícil ainda foi terem logrado êxito na empreitada: os seis filhos cursaram a Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Eu decidi que iria fazer Direito muito cedo. Antes dos dez anos. Mas, além da origem de classe e da impressionante lucidez de meus pais, vivi, também, até os 10 anos numa vila, onde havia uma charqueada (fábrica de charque). Nós morávamos na estação de trem, onde embarcavam o couro extraído da matança do gado bovino que fornecia a carne para o charque produzido na charqueada, pertencente à COOPERATIVA BAGEENSE DE CARNES LTDA., cooperativa dos “fazendeiros”, ou latifundiários de Bagé.

Então eu cresci convivendo com operários, ferroviários (na época servidores públicos do Estado, na Viação Férrea do Rio Grande do Sul) e operários da Charqueada. Vi, por exemplo, chegarem – pelo trem – trabalhadores arregimentados de outras cidades, que vinham substituir os operários que estavam em greve.

Convivia com pessoal de trem sempre discutindo as questões da categoria e todos os privilégios de que desfrutavam em relação aos demais operários, todos eles conquistados a poder de muitas e prolongadas greves. Na época em que toda a economia do Estado era feita por ferrovia e esse era, também, o principal meio de transporte coletivo, as poderosas greves ferroviárias causavam grande impacto. Os ferroviários e os portuários eram a vanguarda da classe operária em todo o Estado e com inegável influência também no país.

No ano em que eu nasci, 1947 viveu-se a maior das greves ferroviárias do RS: 40 dias o Estado inteiro parado para conquistarem o abono-família, uma certa quantia de dinheiro pelo número de filhos do empregado.

Mudamo-nos, depois para a cidade de Bagé onde fiz o “ginásio” (hoje, 6ª a 9ª série do Ensino Fundamental). Em seguida iniciei minha participação na JEC (Juventude Estudantil Católica) onde, apesar de termos um padre adjunto e uma irmã assistente, tínhamos uma autonomia de pensamento bastante grande. Sempre diferencio os movimentos de Ação Católica, do final da década de 50 até o final da década de 60, quando foram extintos em todo o Brasil, pelo Cardeal Vicente Sherer daqui de Porto Alegre, dos movimentos de pastorais que vieram depois por este traço: nós pautávamos e enfrentávamos a hierarquia, agora a hierarquia pauta os movimentos. Pela JEC participei, aos 13 anos, do Comité Bageense pela Legalidade em 1961. E de lá para cá nunca mais saí da Política Estudantil.

Pela Ação Popular, organização em que militei de 66 a 73 também cumpri a tarefa de me integrar na produção, ou seja, trabalhar numa fábrica na condição de operária para sentir como trabalham e vivem os trabalhadores brasileiros. Foi um ano que considero o mais importante e mais educador de toda a minha vida. Só saí da fábrica porque a Polícia Federal foi lá me buscar…

Por tudo isso já há muito havia decidido que seria advogada trabalhista. Porém saí da faculdade no 3º ano, antes de começar a cadeira de Direito do Trabalho. Só a cursei quando voltei para a faculdade depois de cumprir a pena a que fui condenada à revelia, isto é, em 1978, quando, depois de repetir todo o 3º ano, fui aprovada para o 4º ano e tive a ventura de estudar Direito do Trabalho com o Professor Leite.

Nessa mesma época, depois de cumprir um ano de livramento condicional, comecei a trabalhar num escritório de Advogados Trabalhistas e participei da AGETRA e da decisão, tomada aqui em Porto Alegre, de criar a ABRAT. E do congresso que oficializou a criação da ABRAT, no Rio de Janeiro.

Depois de um breve interregno onde atuei em outras áreas, voltei à advocacia trabalhista pelo lado do patrão, isto é, passei num concurso para advogada da RFFSA, onde trabalhei de março de 1985 a 31/05 de 1994. Quando resolveram extinguir a RFFSA e privatizar a ferrovia, comecei a fazer o concurso que aparecesse e, pintou o de Juíza do Trabalho, onde, depois de uma tentativa frustrada, rodei na prova de sentença porque fiz toda uma argumentação de advogada e precisava ser uma fundamentação de juíza. Contudo, no outro concurso prestado, fui aprovada e tomei posse em 01/06/94. E eu, que nunca havia cogitado na hipótese de um dia ingressar na magistratura, descobri, finalmente, que era esse o trabalho que eu sempre havia sonhado para mim.

2. Antes da Graduação a senhora participou de politica estudantil, justamente em um período da história recente em que a reflexão, o debate e a crítica poderiam custar a liberdade. Em que medida estas experiências forjaram a Magistrada de carreira?

R.: Creio que já respondi na extensíssima resposta do item 1.Participei da política estudantil desde o 1º ano do Clássico no Julinho até o 3º ano da Faculdade de Direito do RS, quando saí para me deslocar para a fábrica. E no retorno para a faculdade, exceto no ano em que cumpri meu livramento condicional, até o 5º ano. E essa vivência toda foi fundamental na minha formação como pessoa e, portanto, no desempenho na magistratura.

3. Em 2002, à frente da 26ª Vara do Trabalho de Porto Alegre foi de sua autoria uma decisão histórica envolvendo um atleta do futebol que anos mais tarde viria a conquistar uma Copa do Mundo e ser eleito o melhor jogador do planeta, demanda que só acabou no ano seguinte. Esta foi a decisão de maior repercussão em sua carreira de quase 15 anos no TRT da 4ª Região? Em caso positivo, por quê? E, se não foi, qual foi?

R.: Repercussão externa claro que sim. Inclusive foi depois dela que deixei de ser Juíza Substituta, após sete anos e passei a Juíza titular na primeira vaga que surgiu e por merecimento…

Para mim, nem de longe, foi a mais importante sentença. Até porque nessa eu julguei a favor do patrão que, casualmente vem a ser o time que eu, desde pequena, aprendi a “combater”. Mas estou convicta de que decidi corretamente, com base na Constituição, na legislação e nos Princípios do Direito do Trabalho. E esse sempre foi o roteiro de fontes do Direito do Trabalho que eu tomava em todas as decisões que proferi. Usava, também, muita jurisprudência – desde que eu aprovasse o conteúdo -, para proteger minhas sentenças da sanha modificadora da instância “ad quem”.

A mais importante sentença dada por mim não teve nenhuma projeção e foi numa ação acidentária em que o autor caiu de um poste da CEEE, onde trabalhava como terceirizado, através, portanto, de interposta pessoa e tomou um choque de 20.000 wats. Ficou sem uma perna, sem um braço e, na mão que sobrou havia apenas três dedos. O rosto e o corpo inteiro tinham aparência de chamuscado. O feito correu no cível onde o Juiz de Direito – com a competência que ele pensou que tinha -declarou não haver relação de emprego entre o autor e a CEEE e, em despacho saneador, afastou a CEEE da lide. E julgou a empresa terceirizada como não culpada pelo acidente porque não foi ela quem energizou a linha!

Depois de 16 anos, a ação indenizatória foi julgada improcedente. O autor ficou vivendo com a pensão de acidentado pelo INSS. Na Justiça do Trabalho, ele postulava apenas a declaração do vínculo de emprego entre o autor e a CEEE porque esta especializada tem competência material para tanto. E em decorrência a declaração de que ele, na condição de empregado da CEEE, fazia jus à complementação de aposentadoria da ELETROCEEE, pedindo o pagamento das parcelas não atingidas pela prescrição e a inclusão em folha da empresa ré. Prolatei a sentença, totalmente procedente e descobri, no exame do Estatuto da ELETROCEEE, que, pela data do contrato ele seria sócio fundador e, portanto estava isento de pagar as luvas e outras despesas e determinei seu enquadramento imediato na Folha de Pagamento da ELETROCEEE. Tive a felicidade de saber que esta sentença foi confirmada – por unanimidade-, pela Turma do Tribunal. Lembro apenas (não tenho cópia porque a maioria das minhas sentenças foram gravadas em disquete…) de uma frase que dirigi mais ao Tribunal do que para o cliente onde disse: “na verdade, a figura que compareceu ao Juízo guardava de humano apenas a consciência, a coragem e a dignidade”. E passei a descrever o estado físico do acidentado para que o Tribunal tomasse o contato direto com a realidade que a gente só tem condições de fazê-lo no 1º grau.

4. Em sua vasta experiência política e jurídica, o que falta e o que sobra a Operadoras e Operadores do Direito do Trabalho no Brasil de 2023?

R.: Vivência, ou melhor, experiência de vida real. De conhecimento de causa dos feitos em que atua. E falta de ter, no horizonte, sempre, que o sujeito de direitos nesta Justiça especializada é o trabalhador. O empregador, aqui, é o devedor dos direitos. E um juiz e, principalmente, um Juiz do Trabalho tem que sempre ter em mente, em qualquer decisão que profira ou medida processual que tome, que a razão de ser da Justiça do Trabalho – como de qualquer ramo em que o juiz tem que “dizer o direito”, isto é, jurisdicionar é, justamente, o jurisdicionado. E um pouco mais de amplitude na visão de mundo. De sair dos próprios interesses em que nos jogou a sociedade de consumo desenfreado e a ideologia neoliberal, para enxergar e atender os interesses daqueles a quem se destina nosso trabalho – o jurisdicionado, o sujeito de direitos trabalhistas. Aí é que me socorro da máxima ensinada por meus pais, mas proferida por Jesus Cristo de que “o bom julgador, por si julga os outros”. É uma questão de empatia, de se perguntar: e se eu tivesse no lugar dele???

5. Quais os papéis destinados aos sindicatos em um mercado de trabalho tão desigual e voraz quanto o brasileiro?

R.: O trabalho dos Sindicatos foi, praticamente, impedido com a ditadura militar de 1964: as sedes dos sindicatos mais representativos e/ou combativos foram invadidas e destroçadas, os líderes sindicais foram presos ou perseguidos e retirada toda a competência original dos sindicatos. Depois foram retomados com dirigentes confiáveis ao regime, mas reduzido à prestação de serviços médicos, odontológicos e assistência jurídica aos trabalhadores associados.

Voltou-se a atribuir importância aos sindicatos com as memoráveis greves operárias do final dos anos 70 e início da década de 80. Mas a ditadura, ainda existente, tentou abafar o movimento, matando seus líderes – como fizeram com Santo Operário, líder da poderosa Oposição Metalúrgica que se preparava para vencer as eleições no Sindicato dos Metalúrgicos da cidade de São Paulo ou, no mínimo, a prendê-los como fizeram com a maior liderança metalúrgica do ABC, Luiz Inácio Lula da Silva.

Com a Constituição de 1988 o Direito do Trabalho não só ganhou “status” constitucional – como, aliás, ocorria com as constituições anteriores, desde a “Polaca” de 1934, como ficou no primeiro Título das normas constitucionais, secundando apenas o preâmbulo da Lei das Leis, recém aprovada. E o mais importante: as normas trabalhistas e os demais direitos sociais foram erigidas à categoria de direitos fundamentais, embora nossos escribas e, sobretudo, nossos Tribunais ainda não tenham se adaptado à nova ordem constitucional porque há uma incrível resistência em considerar este novo patamar constitucional das normas sociais (art. 6º) e trabalhistas (art. 7º a 11), como se elas não integrassem o Título II da CRFB de 1988 que tem como ementa: DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS e inicia com os direitos individuais e coletivos (art. 5º), mas só termina no art. 11 que trata das Comissões de Fábrica que deveriam ser formadas com um representante a cada 200 empregados e funcionarem em conjunto com o Sindicato, que nunca foram implementadas.

E, após a Constituição, o poder dos sindicatos começou a ser esvaziado por uma decisão judicial, em que foi erigida uma verdadeira muralha para descumprir o mandamento constitucional de que o sindicato tinha a prerrogativa de representar, individual e coletivamente a categoria. Com a edição da Súmula 330 do TST, foi retirada dos sindicatos, o maior exemplo de representatividade registrado na história sindical brasileira: a possibilidade de atuar como Substituto Processual, nos estritos termos da norma constitucional.

Diga-se, a bem da verdade, sem qualquer base em disposições constitucionais ou legais e de duvidosa interpretação do preceito constitucional. A tal ponto que, hoje, depois de tantos anos da revogação da Súmula 330 e sua expressa rejeição pelos próprios Ministros que a aprovaram, como o Ministro gaúcho Ronaldo Lopes Leal, nem os sindicatos ousam agir como Substitutos Processuais ou da categoria e quando o fazem, até hoje encontram magistrados que, com fundamento inexistente, exigem a juntada da lista de trabalhadores com todos aqueles empecilhos que tiveram por escopo inviabilizar a substituição processual criada com a Constituição.

Depois disso, o golpe de morte nos sindicatos brasileiros veio com a Deforma Trabalhista (Temer-Bolsonaro) que, além de tirar a representatividade para atuar no Direito Coletivo do Trabalho, ainda assaltaram os cofres dos sindicatos inviabilizando a simples existência das entidades sindicais, com a revogação da única e certa fonte de recursos que era a contribuição sindical com força de lei e, portanto, livre da pressão dos patrões e da individualização de cada trabalhador.

Agora ter-se-ia que começar tudo de novo devolvendo os Sindicatos e a organização sindical, singelamente, aos preceitos constitucionais estritos dos arts. 8º a 11 da Carta Maior que são o que de mais oportuno e avançado na matéria já ocorreu na legislação brasileira.

6. Uma mensagem de até logo a quem a leu ate aqui.

R.: Antes de mais nada, meu pedido de escusas pela extensão das respostas, aduzindo que não posso evitar o entusiasmo e a emoção que me invadem ao tratar destes temas. Agradeço, mais uma vez, a oportunidade que me oferece o Direito do Trabalho Crítico e me coloco à disposição para qualquer esclarecimento sobre o conteúdo ou para debate dessa matéria em outras oportunidades no próprio blog Direito do Trabalho Crítico como, se for o caso, em qualquer chamado dos nossos leitores.

NOTA PESSOAL: autorizo – enfaticamente – ao colega Oscar Krost, titular do blog a cortar tudo o que for necessário para reduzir o texto ao espaço que lhe é reservado.

“A ILHA DO MEDO” TRABALHISTA: INQUIETAÇÕES DE 1º DE MAIO

Oscar Krost

Um desaparecimento sem vestígios flerta com o impossível e desafia a lógica. E como toda trama é feita de fios e alguma parte deles, cedo ou tarde, acaba desgarrada da rede, parece inevitável a formação de uma trilha a ser seguida.


“Mestre dos magos”, personagem principal do clássico desenho animado “Caverna do dragão”,1 devem ter lembrado uns; o enigma da esfinge, pensaram outros. “Nada a ver”, definiram os mais jovens.


“A ilha do medo”, filme dirigido por Martin Scorsese e estrelado por Leonardo Di Caprio e Marc Buffalo (2010), em adaptação para o cinema do romance de Denis Lehane (2003),2 narra a história do desaparecimento de uma paciente psiquiátrica e a investigação realizada por dois policiais federais. A história se passa na década de 1950 em uma ilha em que situado um complexo de internação compulsória para delinquentes inimputáveis.

São mais de 2h de voltas e reviravoltas, recheadas de pistas nem sempre simples ou compreensíveis. Seguindo a velha escola hollywoodiana, ao melhor “estilo Scooby-doo”, tudo acaba explicado ao final e sintetizado na frase dita por Di Caprio na cena de encerramento: “Viver como um monstro ou morrer como um homem bom?”


Lembrar de “A ilha do medo” neste 1º de maio é propor a busca pela reflexão sobre a atmosfera em que os sujeitos subordinados no mundo do trabalho, atendam pelo nome que atenderem – colaboradores, autônomos, parceiros, cooperados ou outros mais criativos -, se encontram há algum tempo no Brasil. Os atores juslaborais, com destaque a membros da Advocacia, Magistratura e Ministério Público do Trabalho, também não ficam de fora.


Fragmentados, isolados, sem chance de fuga ou previsão de qualquer mudança para melhor. Tal qual no filme, impressões dão lugar a fatos e a experiência refuta narrativas artificiais, falaciosas e inverídicas.


Números e dados confirmam que reduzir Direitos Sociais não aumenta o índice de empregos, degreda os postos de trabalho existentes e reduz poder de compra. Com isto, ocorre a desaceleração da roda de consumo, desaquecendo a economia e afetando a produção, atividade na qual empregos tem sua principal causa.3

Retirar das organizações coletivas o poder negocial, esvaziando o comando do art. 8º, inciso III, da Constituição, pelo qual “ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas”, e ampliar as matérias de ajuste, tanto na esfera individual, como na coletiva, como fez a Lei nº 13.467/17 (“Reforma Trabalhista”), a exemplo dos arts. 444 e 611-A e B da CLT, leva, verdadeiramente, à troca de uma legislação protetiva e isonômica pela “lei da selva” ou “do mais forte”, ao melhor estilo “quem pode mais, chora menos”.


Assim, sem um Estado atuante e protetivo, por meio de ações e políticas públicas de cada um de seus 3 Poderes, harmônicos e independentes, não há sociedade possível e minimamente equitativa, tornando o objetivo-promessa constitucional do art. 1º, inciso III – “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” – uma quimera. Sem sindicatos atuantes e fortalecidos, inexiste negociação entre capital e trabalho. E sem emprego decente – ou trabalho decente, como prefere a OIT -,impossível falar em dignidade da pessoa humana.


Que este 1º de maio nos permita romper com retóricas falaciosas em prol da segmentação da sociedade em ilhas rodeadas por medo, a fim de que possamos aproveitar as pedras atiradas sem trégua contra o Direito do Trabalho, do qual trabalhadoras e trabalhadores são parte, para erguer pontes capazes de unir os arquipélagos de uma vez por todas. Sem isto, seguiremos repetindo a indagação existencial que pouco agrega a uma mudança de cenário: “Viver como um monstro ou morrer como um homem bom?”

1 “Dungeons & Dragons” – nome original – foi uma série produzida entre 1983 e 1985 com duração de 03 temporadas e 27 episódios, produzida pela rede de televisão norte-americana CBS, conforme informações disponíveis em <https://pt.wikipedia.org/wiki/Dungeons_%26_Dragons_(s%C3%A9rie_animada)>. Acesso em: 1º ma. 2023.

2 Ficha técnica e demais detalhes da obra, disponível em <https://pt.wikipedia.org/wiki/Shutter_Island>. Acesso em: 1º mai. 2023.

3 A produção acadêmica é vasta sobre esta linha de percepção, merecendo destaque KREIN, José Dari; OLIVEIRA, Roberto Veras de; FILGUEIRAS, Vitor Araújo (Organizadores). Reforma Trabalhista no Brasil: promessas e realidades. Campinas/SP: Curt Nimuendajú, 2019, FILGUEIRAS, Vitor Araújo. “É tudo novo”, de novo: as narrativas sobre grandes mudanças no mundo do trabalho como ferramenta do capital. – 1ª ed. – São Paulo: Boitempo, 2021 e LEME, Ana Carolina Paes. Da máquina à nuvem: caminhos para o acesso à justiça ela via de direitos dos motoristas da Uber. São Paulo: LTr, 2019.

“VINDE A MIM AS CRIANCINHAS”

Oscar Krost

O dia amanheceu mais cinza no Vale.

Para além do outono e das nuvens que anunciam chuva e frio, o entorno do Rio Itajaí-Açú, em Santa Catarina, sul do Brasil, não despertou nas primeiras horas deste 06 de abril de 2023.

O pesadelo foi real e seus desdobramentos, para além das mídias e das manchetes, povoaram sem piedade o plano virtual com falsas mensagens, pseudo descobertas e um sem número de mentiras.

Massacres vitimam os corpos diretamente violados, mas também toda a vida em seu entorno. Familiares, amigos, vizinhos. Ninguém que integre a espécie humana sai ileso. Não há saída, tampouco proteção.

Há pouco, quase sem crer, nos proclamávamos sobreviventes de uma pandemia viral. Crianças, adolescentes e idosos foram os maiores prejudicados por ocuparem os extremos da linha da vida, possuindo suscetibilidades maiores, padecendo de forma mais grave e até silenciosa do que adultos jovens ou nem tanto.

O Prefeito de Blumenau decretou, pouco após a invasão ao Centro de Educação Infantil Bom Pastor, luto de 30 dias no Município e colocou o Poder Público à disposição dos familiares das crianças. O Presidente da República publicou nota, assim como o Ministro da Educação, condenando o crime e se solidarizando com a comunidade.

Não há quem fique imune, perto ou longe, geograficamente.

Levei 24h para acreditar no que ouvi e li.

Não postei, repostei ou me manifestei no Facebook ou Instagram, buscando via WhatsApp um mínimo de informação e, ainda assim, apenas para tentar aliviar o torpor e a incredulidade de quem precisou parar, processar a ligação recebida e atravessar a cidade para buscar as filhas que estavam em uma ESCOLA NAS IMEDIAÇÕES DO CRIME HEDIONDO.

Uso este espaço, destinado à promoção do estudo e do debate do Direito do Trabalho, para trazer alguns pensamentos que não me deixam “virar a chave”. Imagino que ela possa ter quebrado de tanto forçá-la. O tempo dirá.

As reações gerais à ação específica me causaram tamanho espanto, consciente de que o “mundo do trabalho” também integra o “mundo dos sentires e viveres”.

Apenas “lançando ao ar”:

O autor da tragédia, após cometê-la, se apresentou à polícia e a confessou. Notoriedade e consagração nas redes são seus maiores objetivos, tratando a chacina como um desafio ou aposta da internet (game).

O autor da tragédia não é natural da cidade, vindo de um centro menor do estado vizinho, com pouco mais de 20 anos, para trabalhar como motoboy. A luta pela sobrevivência em um trabalho precário, sob condições que demandam a migração interna.

As vítimas diretas do crime eram crianças em idade pré-escolar, sendo atacadas dentro da própria escola. A violência nua e crua não permite defesa, aniquilando o presente e o futuro, praticada no local por excelência de acolhimento, aprendizagem e desenvolvimento psicossocial.

Professores, familiares e amigos vêem o terror nos olhos e pouco podem diante dele. Desprendimento de qualquer laço de significação ou de pertencimento. Como viver depois disso? Para que? Como voltar ao local de trabalho ou deixar @ filh@ em uma escola, por mais protegida que se declare, conseguindo trabalhar?

Usando o bordão dos hermanos argentinos, marca do fim de um período sombrio de sua história, só resta anunciar em alto e bom tom NUNCA MAIS!

Poderia escrever, descrever e reescrever muitas outras linhas. Preferi parar por aqui, pois a vida é um sopro, como sabiamente afirmou Oscar Niemeyer ao completar 100 anos.

E se uma coisa aprendi nestes 16 anos em Blumenau e no Vale do Itajaí é que diante de uma tragédia, causada pelas águas, pelas terras ou pela mão “humana”, primeiro choramos, depois arregaçamos as mangas e acolhemos quem ainda chora, sem esperar algo ou alguém dizer para reiniciar, mais uma vez, o eterno reconstruir.

Neste chão, todos sabem, há tempos, que NINGUÉM TIRA NOSSA FORÇA.

Mas, talvez, seja o momento de entender que só força não tem adiantado.

Para além dela, é mais do que chegada a hora de reafirmar nossa HUMANIDADE.

Solidariedade hoje e sempre, em Blumenau e por tudo mais.

POR UM DIREITO PROCESSUAL MENOS KAFKIANO DO TRABALHO: INSIGHTS A PARTIR DA EXPERIÊNCIA DE JOSEF K.

Oscar Krost

Dedico as linhas que seguem às pessoas que me conduziram até elas, a partir das experiências proporcionadas pelas trocas ocorridas no exercício da titularidade das jurisdições trabalhistas em que atuei (São Miguel do Oeste/SC, de outubro/21 a fevereiro/23) e atuo (Rio do Sul/SC, desde fevereiro/23), todas, sem exceção/: partes, testemunhas, Servidoras/Servidores, Estagiários, terceirizad@s, perit@s, Advogad@s, membros do MPT e colegas em sentido geral. Sem cada uma e cada um de vocês, em diversa medida, isto não seria possível.


Sem mais, nem porque, o improvável bate à porta e anuncia o início não de um processo qualquer, mas de “O processo”: “Alguém certamente havia caluniado Josef K., pois uma manhã ele foi detido sem ter feito mal algum”.1

Pouco antes das 08h, quando costumeiramente a Sra. Grubach trazia o café da manhã, um homem desconhecido adentra a residência sem se identificar. K. pede a identificação do visitante, sendo ignorado. Deixa, então, o quarto, indo até o cômodo contíguo, onde se depara com outro homem, que lhe dá voz de prisão.

Pura e simplesmente assim.

Os invasores – pretensamente investidos em poder e autoridade – não informam quem propôs a causa contra o protagonista, a partir de quais fatos ou o que pretende. Sequer a natureza do litígio ou o nome do tribunal são revelados. Nada está documentado.

A inconsistência do relato se agrava a cada parágrafo. Dados e versões se desencontram a todo instante, não raras vezes se chocando. Forja-se um labirinto processual em cujos caminhos estreitos e sinuosos K. se depara com dúvidas sem fim. Ignora como o pesadelo começou, quando e se acabará.

Para mais detalhes, recomendo a leitura do livro. A proposta destas breves linhas é somente recompor a atmosfera “processual kafkiana”, ponto de partida para o raciocínio a ser desenvolvido.

Mas, antes, é importante destacar que “Der Prozess”, de Franz Kafka, escrito em 1914, foi publicado em 1925, ano seguinte a seu falecimento. A vontade do autor era que Max Brod, amigo e testamenteiro, destruísse os esboços, não sendo atendido.

Inexistia, de fato, uma obra estruturada e concluída, somente fragmentos, em capítulos sequer numerados, alguns, inclusive, inacabados.2 Brod assumiu uma pseudo coautoria do texto, definindo o desenvolvimento cronológico da história e redigindo o desfecho. Em tese, nada complexo, pois todo processo, seja judicial, biológico ou histórico, como desencadeamento de atos lógicos, respeitam, em linhas gerais, uma estruturação previsível. De fato, apenas em tese.

Um “clássico” pode ser assim considerado quando seu conteúdo rompe os limites do senso comum, comunicando além da mensagem pretendida pelo artista e permitindo a incorporação da “leitura” de todos os públicos e épocas, sem limitações no espaço ou no tempo. Atemporal, não datado, sem fronteiras, eis alguns predicados atribuídos às produções de alcance universal.

Não é segredo algum o quanto estimo, aprecio e me identifico com o maior autor Tcheco do século XX, conseguindo, inclusive, para deleite de uns e desgosto de outros, com uma licença nada poética, desenvolver ideias sobre o Direito e o Processo do Trabalho em paralelo às metáforas e aos aforismos de Kafka. Este blog é repleto de exemplos, de “Odradek” à “Metamorfose”, passando por “Diante da Lei” e “Amerika ou o desconhecido”. Interessad@s, acessem www.direitodotrabalhocritico.com, rolando a barra ou indo direto ao sumário.

A leitura pertinente a esta digressão diz respeito a como regras de procedimento, enquanto garantias fundamentais dos litigantes e um norte a ser seguido por membros da Advocacia, do Ministério Público e da Magistratura podem acabar se revelando, na prática, uma ameaça à tutela pretendida e a um ideal mínimo de Justiça.

As razões não são poucas, tendo como ponto em comum a carcomida QUESTÃO DE ENTENDIMENTO. Para quem ainda não a conhece ou dela não lembra, estamos diante de expressão “mil-e-uma-utilidades-jurídica”, empregada sempre que fundamentar, não só decisões, mas também requerimentos e protestos, meramente tangencie o comando do art. 93, inciso IX, da Constituição.

Antes que alguém invoque como solução para todos os males a elaboração de um Código de Processo do Trabalho, considero desnecessárias mais regras no já complexo sistema normativo, embora seja corrente a alegação, não infundada, de que cada Juiz ou Juíza do Trabalho possui sua própria normatividade procedimental. A CLT apresenta o essencial e um pouco mais, parametrizando de maneira suficiente o iter processual.

Eventuais lacunas legais – jamais normativas, pois onde não há regra, atua o Princípio em caráter supletivo -, podem ser colmatadas pelas disposições do Direito Processual Civil3 (em sede de cognição) e da Lei de Execuções Fiscais (em sede de execução).4

O processo trabalhista sempre foi e segue sendo um ramo de vanguarda do Direito Adjetivo, especialmente por se inspirar nos Princípios da Simplicidade das Formas, Oralidade, Irrecorribilidade das Decisões Interlocutórias e do jus postulandi, verdadeiros cânones da adaptação do agir em conformidade com o bem jurídico tutelado e às peculiaridades do caso concreto. Prova disto é a prática há décadas da “convenção processual” positivada no art. 373, §§3º e 4º, do CPC, em 2015.

Ao invés de insistir no mito da completude da codificação e na desconfiança sobre a capacidade dos juristas, deveríamos buscar o amadurecimento na interpretação e na aplicação das disposições do sistema.

A potência e a efetividade máximas residem, justamente, no tensionamento ao limite da abertura e da maleabilidade do regramento, jamais descuidando de uma leitura em duplograu: constitucional-fundamental-garantista e Principiológico Material/Processual do Trabalho. Para tanto, bastam objetividade e fundamentação.

Obviedades que precisam ser ditas, lembradas e efetivadas.

A angústia que não só acompanha, mas caracteriza Josef K. e se avoluma capítulo a capitulo provavelmente acomete trabalhadoras e trabalhadores, inclusive aquelas e aqueles que trabalham no e pelo processo nos Foros de todo o país. Como resultado, a renúncia de direitos por meio de “conciliações” nem sempre caracterizadas por concessões recíprocas e proporcionais. Advogadas e Advogados premidos por respostas a clientes, empregad@s ou empregadores, também padecem de um mal-estar kafkiano ao se depararem com questionamentos sem resposta objetiva, mais ou menos assim:

A Doutora ou o Doutor tem certeza de que devo ou não devo fazer assim ou assado?

Está ou não está na lei?

Sei de pessoas que fizeram diferente, pode?

Apenas algumas hipóteses que batem à porta, qual a cena descrita no começo destas linhas, anunciando uma espécie de detenção, não física, como a de K., mas hermenêutica e procedimental.

Para não ficar na “crítica pela crítica” ou no “abandono ao desalento”, apresento de modo não taxativo possibilidades de adoção prática e imediata. Nenhuma delas põe fim a todos os problemas, mas cada qual os reduz e os atenua substancialmente:

anonimização de nomes próprios e de dados sensíveis nos autos processuais, de partes e de testemunhas, em atenção à LGPD e resguardando envolvidos de inclusão em listas sujas ou outras práticas discriminatórias, evitando golpes virtuais.

clareza no estabelecimento de parâmetros para condução processual, primando pelos Princípios da Lealdade, da Boa-Fé e da Instrumentalidade das Formas, sanando de pronto irregularidades e inépcias, pela concessão de prazo antes de pôr fim a qualquer pretensão, mesmo de defesa.

saneamento processual antes de dar prosseguimento à demanda, tão logo definidos os limites da lide, como o exame de pedido de concessão de benefício da gratuidade da Justiça na primeira oportunidade possível, medidas de urgência, designação fundamentada do momento da perícia, fixação de pontos controvertidos e distribuição do ônus probatório. Adoção mais prévia possível da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, conforme o art. 818, §1º, da CLT.

publicidade sobre critérios objetivos para apreciação e homologação de acordos (judiciais ou extrajudiciais), bem como realização de mediações pré-processuais.

Respeitados o contraditório e a ampla defesa, inexistente prejuízo concreto/provável, não há falar em nulidade, ainda que o procedimento adotado desvie da praxe ou da leitura literal da lei. O mais importante é fugir do jogo de espelhos em que se encontra K., evitando transformar o instrumento de solução de litígios (processo) em um problema maior do que aquele que busca solucionar. A opressão de ser réu em uma demanda sobre a qual nada se sabe, sem tempo ou prazo para chegar ao fim, tampouco regras claras, para Josef K., soa como a pior das penas possíveis. Qualquer desfecho é menos cruel do que a absoluta incompreensão do que está acontecendo e por acontecer.

As coisas precisam ser razoavelmente compreendidas por tod@s, técnicos ou leigos, para que possamos ouvir “não foi tão ruim assim” ao invés de “já não aguentava mais”. Reduziremos, provavelmente, o número de pedidos de desculpas das pessoas ao se colocarem “diante da lei”, “pois nunca fui de confusão, sendo a primeira vez que faço isso”, referindo-se a contratar uma/um Advogad@ e ajuizar/contestar uma ação.

Passou do tempo de tratar os Direitos Sociais Laborais como meros créditos não satisfeitos, em uma inversão entre causa (cultura da violação da Constituição e das leis protetivas) e consequência (excesso de demandas/ “indústria das reclamatórias”). Não é o Direito do Trabalho que gera milhões de demandas judiciais a cada ano no Brasil, mas sua violação em larga escala sem uma resposta à altura.

Para que essa guinada possa começar, essencial a tomada de consciência sobre os ciclos viciosos e kafkianos em que vivemos e aos quais nos habituamos como Operadoras e Operadores do Direito do Trabalho, em práticas anacrônicas. Assim, não precisaremos ouvir dos “guardiões diante da lei”5 que “aqui ninguém mais podia ser admitido, pois esta entrada estava destinada só a você. Agora eu vou embora e fecho-a.”6

1 KAFKA, Franz. O processo. Tradução e posfácio Modesto Carone. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p. 07 . A mesma publicação conta, ainda, com um apêndice composto por “capítulos incompletos”.

2 CARONE, Modesto. Posfácio. KAFKA, Franz. O processo. Tradução e posfácio Modesto Carone. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p. 258.

3 CLT, art. 769:

A;rt. 769 – Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título.

4 CLT, art. 889:

Art. 889 – Aos trâmites e incidentes do processo da execução são aplicáveis, naquilo em que não contravierem ao presente Título, os preceitos que regem o processo dos executivos fiscais para a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública Federal.

5 Parábola narrada no capítulo IX de “O Processo” em que um homem do campo, após esperar por toda a vida pela permissão para transpor a porta da lei, pergunta ao guardião da entrada por que ninguém além dele nestes anos todos ali apareceu, considerando que todos aspiram à lei. Como resposta, o trecho transcrito ao final da presente reflexão. “Diante da lei” foi mote de uma das primeiras postagens neste espaço, em julho/2020, quando, no começo da pandemia de Covid-19, a obrigatoriedade ou não da realização de audiências remotas na Justiça do Trabalho ocupava a pauta do dia, estando disponível em <://direitodotrabalhocritico.wordpress.com/2020/07/31/diante-da-lei-de-kafka-e-as-audiencias-por-videoconferencia-na-justica-do-trabalho/>. Acesso em: 05 mar. 2023.

6 KAFKA, Franz. O processo. Tradução e posfácio Modesto Carone. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p. 215.

BAILE DE MÁSCARAS: AS PLATAFORMAS DIGITAIS, O DEBATE REGULATÓRIO E A ARTE DA DISTRAÇÃO

Viviane Vidigal – Professora universitária e pesquisadora. Doutoranda e mestra em Sociologia na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Especialista em Direito do Trabalho (NTC, 2011) e Especialista em Direito Penal. Coordenadora do núcleo de sociologia da ESA OAB/SP. Coordenadora da coleção Direito, Tecnologia e Trabalho (Editora Mizuno), autora da obra “Capitalismo de plataforma: as facetas e as falácias”.

Veneza, por volta do século XV, acontecia o primeiro “Ball Masquê”. No carnaval veneziano os homens usavam a “baùta”, uma roupa com uma espécie de capa que cobria todo o corpo. O rosto era escondido por uma máscara branca triangular, com uma abertura que não os impedia de comer e beber, mas era suficientemente fechada para alterar até mesmo a voz de quem a usava. As mulheres usavam a “moretta” uma máscara preta de veludo oval. Porém, vejam só, para elas reinava o silêncio, já que a moretta era encaixada no rosto por meio de um botão que devia ficar dentro da boca da mulher, o que as impedia de se expressarem (CONCEIÇÃO, 2021).

O uso de máscaras significava uma oportunidade de esconder a identidade. O disfarce permitia aos/às venezianos/as serem quem eles/as queriam ou não serem quem não queriam, pelo menos durante um momento fugaz. As máscaras serviam para não poder ver o que/quem realmente era. O uso das máscaras, por vezes, proporcionava a quem estivesse debaixo delas operar às margens do sistema.

Em “Capitalismo de Plataforma: as facetas e as falácias” demonstro como os elementos são manipulados pelo capital para mascarar o vínculo empregatício. O vínculo, portanto, pode ser mascarado de diversas maneiras conforme exponho e sistematizo no livro1.

Há alguns anos, li no Geledes2 um texto sobre “as grandes estratégias da manipulação midiática por Noam Chomsky”. A primeira estratégia mencionada era a da distração. “A Estratégia da Distração. O elemento primordial do controle social é a estratégia da distração, que consiste em desviar a atenção do público dos problemas importantes e das mudanças que são decididas pelas elites políticas e econômicas, mediante a técnica do dilúvio ou inundação de contínuas distrações e de informações insignificantes. Manter a atenção do público distraída, longe dos verdadeiros problemas sociais, cativada por temas sem importância real. Manter o público ocupado, ocupado, ocupado, sem nenhum tempo para pensar; de volta à granja como os outros animais (citação do texto ‘Armas Silenciosas para Guerras Tranquilas’).”

Goebbels, publicitário de Hitler, ao estabelecer o princípio da transposição, explicava que deve-se transladar todos os males sociais ao inimigo e, se não puder negar más notícias, deve-se inventar outras que as distraiam. Sendo que a própria construção de um inimigo único era uma distração importante para desfocar dos problemas reais da sociedade.

A arte da distração, que pode ser vista no filme “Um truque de mestre” (2013), foi escrita por Dariel Fitzkee no livro “Magic by Misdirection” (1945). O autor explica como um mágico habilidoso explora a tendência das pessoas olharem para o óbvio enquanto a mágica real ocorre em outro lugar, ele faz com que o público olhe para onde gostaria que olhasse, em vez de ver a verdadeira realidade.

Como cientista social, desprovida de habilidades mágicas, convido-lhes a olhar para a realidade. A categoria jurídica do/a trabalhador/a das empresas-plataforma já existe: empregado/a. Tal qual não se trata de uma nova classe como o precariado de Standing (2013), não se trata de uma nova espécie de trabalhador/a. O ordenamento jurídico brasileiro atual é suficiente para reconhecer a atividade desempenhada pelos/as motoristas, entregadores/as, entre outros/as, como trabalho subordinado, consequentemente como empregado/a.

Pela doutrina, aos/às adeptos/as da subordinação clássica, com a interpretação de que o algoritmo faz as vezes do/a gerente, do/a supervisor/a e do/a capataz, vincula-se. Aos/às adeptos/as da subordinação estrutural de Mauricio Godinho Delgado (2006), uma vez afastada a máscara de vínculo que é a falácia das empresas-plataforma serem todas de tecnologia, vincula-se. Mais recentemente, ao olhar especificamente para o trabalho no capitalismo de plataforma autores e autoras contribuíram com proposições para novas expressões da subordinação jurídica como a subordinação algorítmica (BARZOTTO; MISKULIN; BREDA, 2020, COUTINHO, 2021), a subordinação disruptiva (GAIA, 2019), a subordinação imersiva (GUSMÃO, 2023) e a subordinação digital (VIDIGAL, 2023). Por todas essas facetas da subordinação, vincula-se.

Pela legislação, o controle telemático e informatizado exercido pelas empresas-plataforma, ainda que seja um controle exercido primordialmente por um código de computador, sem gerência intensiva de um superior hierárquico, é equivalente ao controle pessoal e direto (BABOIN, 2017). Ao encontro da realidade social, da forma como o controle se dá na contemporaneidade, via informacional-digital, desde 2011 a CLT expressamente equipara os efeitos jurídicos da subordinação exercida por meios telemáticos e informatizados à exercida por meios pessoais e diretos, conforme parágrafo único do art. 6º3.

Se fosse eu uma mágica habilidosa capitalista, com a intenção de desviar o foco da realidade, distrairia o/a interlocutor/a. Para isso, tentaria criar outras categorias ou subcategorias de trabalhadores/as para desfocar do fato que a categoria já existe. Ao elaborar novas proposições legislativas não se aplica a legislação que já existe. Ao se despender esforços debatendo e formulando outras novas categorias se descura do arcabouço jurídico existente. Ao alardear que é necessária uma lei nova para dizer que se aplica a CLT se reforça que ela não se aplica. Isto tudo, significa dizer que o ordenamento jurídico é insuficiente para vincular o/a trabalhador/a plataformizado/a. Para quem acredita que esses/as trabalhadores/as são subordinados/as tal tomada de posição é um erro estratégico.

Para não distrair e confundir, existem duas questões distintas relacionadas ao trabalho para as empresas-plataforma, a primeira é o debate regulatório sobre a espécie de trabalho e o vínculo empregatício, a segunda é o debate regulatório sobre o controle digital.

O controle digital (VIDIGAL, 2023), este sim, precisa de regulação. Já denunciava em 2017, Scheiber (motorista da Uber), em entrevista ao New Tork Times, que a coleta de dados é surpreendente e, a esse despeito, não há controle trabalhista sobre a questão (SCHEIBER, 2017). Rodrigo Carelli afirma que deve ser avançada a regulação da coleta, processamento, guarda e utilização de dados dos trabalhadores (CARELLI, 2023).

Os dados são utilizados de forma obscura e as regras não são informadas e acordadas com os(as) trabalhadores(as). Neste caso, os(as) trabalhadores(as) não são informados e não tem conhecimento do total conteúdo de seu contrato de trabalho, não podendo alterá-lo ou negociá-lo (VIDIGAL, 2021). Não há regulamento de empresa que possa ser segredo (VIDIGAL, 2021; CARELLI, 2023).

Quando falamos em gamificação4, que não é neutra ou aleatória, mas uma programação, trata-se de um “jogo” com regras pré-determinadas, definidas de forma unilateral pelas empresas-plataforma tendo como objetivo estimular os(as) trabalhadores(as) a ficarem disponíveis o máximo de tempo. Um “jogo” com regras de cartas marcadas para o capitalista vencer e o/a trabalhador/a perder. Enquanto o “jogo” continua desregulado, os(as) trabalhadores(as) desempenham suas atividades sem parar, desprotegidos(as), sendo interrompidos(as) apenas por doenças laborais e acidentes de trabalho – que por vezes, ceifam suas vidas (VIDIGAL, 2022). Estes limites precisam ser debatidos e impostos. A regulação do controle digital deve ser foco estratégico das pautas.

A respeito das dezenas de propostas de uma terceira via, do meio termo italiano chamado “parassubordinado” ou do inglês conhecido por “worker”, de alguns direitos, de poucos direitos, de mais ou menos direitos, de outra lei para dizer que se aplica a CLT, elas confundem. Trata-se da arte da distração para manter o pensamento da classe dominante. Tais projetos e propostas são um baile de máscaras.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BABOIN, José Carlos de Carvalho. Trabalhadores sob demanda: o caso Uber. Revista LTr, São Paulo, ano 81, n. 3, mar. 2017.

BARZOTTO, Luciane Cardoso; MISKULIN, Ana Paula Silva Campos; BREDA, Lucieli. Condições transparentes de trabalho, informação e subordinação algorítmica nas relações de trabalho. In: CARELLI, Rodrigo de Lacerda; CAVALCANTI, Tiago Muniz; FONSECA, Vanessa Patriota da (org.) Futuro do trabalho: os efeitos da revolução digital na sociedade. Brasília: ESMPU, 2020, pp. 212-213.

CARELLI, R. O trabalho em plataformas digitais precisa de regulação especial. Disponível em: https://jornalggn.com.br/trabalho/o-trabalho-em-plataforma-digital-precisa-de-regulacao-especial-por-rodrigo-carelli/. 2023.

CONCEIÇÃO, Helton da Silva. O cenário arquitetônico como passarela do carnaval carioca: um quebra cabeça poético e multicultural através da colagem. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Comunicação Visual-Design)-Escola de Belas Artes, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2021.

COUTINHO, Raianne Liberal. A subordinação algorítmica no arquétipo Uber: desafios para a incorporação de um sistema constitucional de proteção trabalhista. 2021. 241 f., il. Dissertação (Mestrado em Direito)—Universidade de Brasília, Brasília, 2021.

DELGADO, Maurício Godinho. Direitos fundamentais na relação de trabalho. Revista LTr. São Paulo, LTr, ano 70, n. 6, p. 657-667, jun. 2006, p. 667.

GAIA, Fausto Siqueira. Uberização do trabalho: aspectos da subordinação jurídica disruptiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019

GUSMÃO, Xerxes. A Subordinação Imersiva. In: Viviane Vidigal; Oscar Krost (Org.). Adeus Direito, Tecnologia e Trabalho. 1ed.. Leme/SP: Editora Mizuno, 2023. ( no prelo)

SCHEIBER, N. How Uber uses psychological tricks to push its drivers’ buttons. New York Times, 2 de abril de 2017. 2017. Disponível em: https://www.nytimes.com/interactive/2017/04/02/ technology/uber-drivers-psychological-tricks.html. Acesso em: 20 jan. 2018.

STANDING, Guy. O Precariado: a nova classe perigosa. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013.

VIDIGAL, V. game over, play again? a gestão gamificada e o jogo de cartas marcadas. In: Viviane Vidigal; Oscar Krost; Manuel Estrada. (Org.). Direito, Tecnologia e Trabalho. 1ed. Leme/SP: Editora Mizuno, 2022.

VIDIGAL, V.. periciando a caixa de pandora: os segredos da gestão algorítmica do trabalho. teoria jurídica contemporânea, v. 1, p. 1, 2021.

VIDIGAL, V. Capitalismo de plataforma: as facetas e as falácias. 1ed. Leme/SP: Editora Mizuno, 2023. ( no prelo)

1 Capítulo intitulado “Máscaras de Vínculo”. VIDIGAL, V. Capitalismo de plataforma: as facetas e as falácias. 1ed.: Mizuno, 2023. (no prelo)

2 Disponível em: https://www.geledes.org.br/10-estrategias-de-manipulacao-da-midia-noam-chomsky/

3 Art. 6o Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio. (Incluído pela Lei nº 12.551, de 2011)

4 A gamificação do trabalho, portanto, pode ser entendida como uma tentativa de engajar o(a) trabalhador(a), além de ser uma tentativa do capitalismo de integrar, ao âmbito do trabalho uma dimensão afetiva, que concerne a fatores como a diversão para um apagamento do sofrimento no trabalho, e uma dimensão material, pois ao completar os desafios os trabalhadores aumentam os seus rendimentos. Como consequências da gamificação existem ganhos simbólicos e materiais, positivos ou negativos, destinados aos(as) trabalhadores(as) (VIDIGAL, 2023).

O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA COMO BALIZADOR DE CONDUTAS NA RELAÇÃO DE EMPREGO1

Oscar Krost

As coisas geometrizadas pelo frio mostravam-se voláteis.” Vitor Ramil2

1. Introdução.

O Direito do Trabalho tem origem no Direito Civil, alcançando sua autonomia por fatores das variadas ordens, tais como a complexidade da matéria, a homogeneidade da doutrina, a metodologia específica e a sistematização normativa, esta inclusive em sede constitucional, de acordo com Carmen Camino,3 mas principalmente pela distinção material intransponível existente entre os contratantes.

Contudo, sendo o contrato de trabalho a base da vinculação entre empregado e empregador e a causa – direta ou indireta – de todos os direitos e deveres das partes, se faz inevitável a influência de regras e Princípios caros ao Direito Privado, se compatíveis com a dogmática juslaboral (art. 8º da CLT).4

Como expoente deste quadro, o Princípio da Boa-Fé Objetiva, cuja importância transcende a esfera acessória dos negócios jurídicos, exercendo papel de verdadeiro norte aos contratantes, por um agir diligente e livre de vícios.

Assim, propõe-se no presente estudo a análise da boa-fé objetiva, partindo do conceito e origem, passando pela influência em todas as fases do contrato de trabalho, inclusive a anterior à formação e a posterior à ruptura, e chegando a propostas de cunho prático em decorrência da análise de influência no direito material. Para tanto, serão examinados textos doutrinários e normativos, além de precedentes jurisprudenciais.

2. Boa-fé objetiva como Princípio de Direito. Conceito. Histórico.

Inexiste um conceito abrangente de boa-fé no Ordenamento Jurídico Brasileiro, argumentando Francisco Rossal de Araújo5 não possuir a expressão “uma definição exata, tanto no Direito Privado genericamente quanto no Direito do Trabalho especificamente”. Tal circunstância não resulta do acaso, sendo decorrência de sua própria evolução histórica no Direito Ocidental.

Em Roma, a questão recaía sobre o termo fides, separado em dois planos: interno e externo. O primeiro correspondia às promessas e aos deveres por proteção, do cliens, classe intermediária entre cidadãos e escravos, enquanto que o segundo dizia respeito à “submissão dos povos conquistados e sua assimilação à ordem romana”, também de acordo com Francisco Rossal de Araújo.6

Com o passar do tempo, o vocábulo passou a ser adotado de modo complexo, como fides bona ou bona fides, permitindo, em contendas submetidas a um Juiz, que a controvérsia fosse examinada de forma mais ampla e dinâmica, sem a fiel observância, comum à época, da ritualística vigente.

Sob a influência grega, houve uma aproximação da boa-fé à aequitas (equidade), fórmula de interpretação ou Princípio de Direito útil a orientar o julgador na resolução de casos não disciplinados pelas regras.

Posteriormente, a partir da Idade Média, incorporou o Direito Romano, pelo contato com a cultura germânica, a ideia de lealdade e confiança à boa-fé, figurando pela primeira vez em uma codificação em 1804, no Código Civil de Napoleão. Porém, era tido como um valor menor, prevalecendo uma visão individualista pautada na autonomia da vontade.7 Neste cenário, o Juiz deveria atuar como mero aplicador da lei, a qual pretendia reger todas as hipóteses fáticas, sem qualquer lacuna ou contradição.

Apenas em 1900, com o Código Civil alemão (Bürgerliches Gesetzbuch–BGB), alcançou a boa-fé maior reconhecimento, sendo feita, inclusive, a distinção entre suas faces subjetiva e objetiva (guter glauben e treu und glauben), vindo a influenciar diversas codificações, por todo o mundo, como a italiana (1942), portuguesa (1966) e espanhola (1974).8

No ordenamento jurídico brasileiro, foi positivada pela primeira vez no Código Comercial (1850, art. 131, “1”),9 não alcançando qualquer efetividade, tendo papel limitado a mero critério de interpretação.

O registro seguinte no país veio com o Código Civil (1916, art. 112),10 11 novamente com pouca importância, por conta da pretensão de Clóvis Beviláqua, autor do projeto, à plenitude e de seu apego à segurança, certeza e clareza, inviabilizando a formulação de cláusulas abertas, segundo Judith Martins-Costa.12

Após o término da Segunda Grande Guerra, ainda sob o impacto do legado deixado por regimes ditatoriais legitimados pelo positivismo jurídico levado a seu extremo, ocorre a reavaliação em diversos países das estruturas que formavam cada ordenamento normativo, perdendo espaço o modelo rígido, com aspiração à completude e sem incongruências, composto basicamente por regras formais harmonizadas segundo critérios lógicos e primando pela segurança jurídica.

Ganha evidência o conceito de um complexo de normas, aí incluídos além das regras os Princípios, inacabado e em constante evolução, objetivando um maior grau de justiça. Os valores, considerados até então um mal a ser expurgado do direito, passam a ocupar o papel de legítima fonte, deixando o Juiz de ser “a boca da lei”, para se tornar um verdadeiro construtor do sentido das normas.

A este respeito, leciona Miguel Reale:

O resultado da compreensão superadora da posição positivista foi a preferência dada às normas ou cláusulas abertas, ou seja, não subordinadas ao renitente propósito de um rigorismo jurídico cerrado, sem nada se deixar para a imaginação criadora dos advogados e juristas e a prudente, mas não menos instituidora, sentença dos juízes.”13

Assim, quase ao final do século XX, pela promulgação do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90, arts. 4º, inciso III, e 51, inciso IV),14 conseqüência direta dos fundamentos adotados pela nova Constituição, em especial ao presente estudo, de valorização social do trabalho e da livre iniciativa (1988, arts. 1º, inciso IV e 170),15 ocorre a plena consagração da boa-fé objetiva no direito brasileiro, como elemento útil à interpretação de cláusulas contratuais e à integração das obrigações.

Seguindo a escola alemã, também no Brasil há consenso na doutrina e na jurisprudência sobre a manifestação da boa-fé sob duas vertentes diversas, porém complementares: a subjetiva e a objetiva.

A primeira corresponde ao animus dos sujeitos envolvidos na relação jurídica e ocupa o plano volitivo, de intenções. É capaz de acarretar a declaração de invalidade do negócio, quando maculada por vício grave (art. 112 do Código Civil).16

A segunda se apresenta como um “padrão ético de conduta e lealdade, indispensável para o próprio desenvolvimento normal da convivência social”, nas palavras de Ruy Rosado Aguiar Júnior,17 ou seja, o agir de quem se preocupa de modo razoável em não causar danos a terceiros, sob quaisquer aspectos (art. 749 do Código Civil).18

Para Clóvis do Couto e Silva, a boa-fé objetiva “contribuiu para determinar ‘o que’ e ‘como’ da prestação e, ao relacionar ambos os figurantes do vínculo, fixa, também, os limites da prestação”,19esclarecendo Pontes de Miranda:

Regras de boa-fé são regras do uso do tráfico, gerais, porém de caráter cogente, que de certo modo ficam entre as regras jurídicas cogentes e o direito não-cogente, para encherem o espaço deixado pelas regras jurídicas dispositivas e de certo modo servirem de regras interpretativas.”20

Ambas as faces se encontram em todos os vínculos, não sendo a subjetiva, por vezes, passível de análise ou prova pela parte contrária, o mesmo não ocorrendo com a objetiva.

Por conta do grau de abstração e da importância para as relações obrigacionais, é considerada verdadeiro Princípio Geral de Direito21, do qual emanam legítimas diretrizes, as quais, para Américo Plá Rodrigues, possuem tripla função, pois “podem servir para promover e embasar a aprovação de novas normas, orientar a interpretação das existentes e resolver os casos não previstos”.22

Apresenta-se no Direito Brasileiro, explícito quanto ao conceito, porém implícito, no tocante ao dever de observância (arts. 113, 187 e 422 do Código Civil).23

Acerca dos Princípios implícitos, de grande valia a posição de Eros Grau, no sentido de que “não constituem criação jurisprudencial; e não preexistem externamente ao ordenamento”, sendo, na realidade, apenas descobertos em cada caso, pois se ”encontravam, em estado de latência”.24

A relação de emprego, por conta da desigualdade de forças dos contratantes é influenciada pelo Princípio Protetivo e suas projeções (in dubio pro operario, aplicação da regra mais favorável e da condição mais benéfica), atraindo a influência dos demais, principalmente o da Boa-Fé Objetiva, em todas as fases do contrato (antes, durante e depois), norteando o agir de ambos os sujeitos.

3. Boa-fé objetiva na relação de emprego. Fases pré-contratual, contratual e pós-contratual.

Embora as obrigações principais de empregado e empregador sejam prestar trabalho e pagar salários, não há como deixar de reconhecer a complexidade alcançada pela relação de emprego, verdadeiro feixe obrigacional,25 sendo que notória a relevância do agir ético por ambos os sujeitos nos lapsos pré-contratual, contratual e pós-contratual.

Na fase anterior à admissão do trabalhador, devem os contratantes evitar a criação de falsas expectativas no outro, fornecendo informações verídicas a respeito de tudo o que for relevante ao ajuste, independentemente de solicitação, tal como experiências prévias, conhecimentos técnicos, valores de salários, horários de trabalho e benefícios, sempre observados os limites estabelecidos em lei(art. 373-A, inciso IV, da CLT).26

Encerrada a etapa de tratativas, ficam os sujeitos vinculados às próprias ofertas (art. 427 do Código Civil),27não podendo delas desistir sem uma justificativa relevante, sob pena de gerar danos e o dever de repará-los.

Neste sentido, os seguintes precedentes:

EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO. INDENIZAÇÃO PELA PERDA DE UMA CHANCE. Demonstrado nos autos não só a promessa de emprego por parte da empresa, como também, a prática de ato que levou o autor a uma legítima expectativa de contratação, em estrita violação ao princípio da boa fé objetiva, o deferimento de indenização pela perda de uma chance é medida que se impõe, a qual deverá reparar os danos sofridos pelo demandante quanto à ‘perda da oportunidade de concretização da vitória esperada, in casu, a contratação e prestação de serviços em prol da Reclamada’ (Sentença, fl. 153). (TRT da 3ª Região, processo nº 0000035-32.2011.5.03.0012, Relator Des. Federal do Trabalho Marcelo Lamego Pertence, 7ª turma, publicado em 09.6.2011)

EMENTA: PROMESSA DE CONTRATAÇÃO FRUSTRADA. FASE PRÉ-CONTRATUAL. DANO MORAL. Tendo havido entrevista, exame admissional, abertura de conta para recebimento de salário e entrega da documentação, há a formação de um pré-contrato, fase em que também as partes devem respeitar o princípio da boa-fé objetiva consagrado no art. 422 do Código Civil. A promessa de contratação frustrada por parte da reclamada caracteriza a afronta à boa-fé, gerando a obrigação de indenizar o empregado pela falsa expectativa criada. Recurso da reclamada a que se nega provimento. (TRT da 4ª Região, processo nº 00305-60.2010.5.04.0304-RO, Relator Des. Federal do Trabalho Hugo Carlos Scheuermann, 4a turma, publicado em 08.11.2010)

EMENTA: PRÉ-CONTRATO – TRATATIVAS CONSISTENTES – DEVER DE INDENIZAR – Desse comportamento exsurge o dever de indenizar: em que uma parte viola o dever de boa-fé das negociações que antecedem o contrato e lesa, com esse comportamento, outra pessoa. Trata-se da violação à boa-fé objetiva, relativa ao dever recíproco de se comportar com lealdade, boa-fé esta que se exige dos contraentes desde o momento anterior à formação do contrato até, muitas vezes, após seu término, como é o caso do sigilo de empresa, que exige do ex-empregado a abstenção de revelá-lo mesmo após anos de ruptura contratual. A injusta frustração de uma expectativa razoável na futura conclusão do contrato é fato jurígeno do dano moral (art. 427 do CCB). Não é necessário, portanto, a prova da violação da boa-fé subjetiva, bastando, para fins de delineamento do dano moral e material, a ruptura às figuras parcelares da boa-fé objetiva (teoria dos atos próprios), notadamente do venire contra factum proprium, que veda atos contraditórios dos sujeitos nas negociações, como forma de coibir o abuso de direito. (TRT da 15ª Região, processo nº 0000413-35.2010.5.15.0029-RO, Relatora Des. Federal do Trabalho Mariane Khayat, 1ª turma, 2ª câmara, publicado em 11.3.2011)

Com efeito, não pode o trabalhador, em observância ao Princípio da Boa-Fé Objetiva, ser levado a crer, por quaisquer motivos, que foi contratado, embora tal fato não tenha ocorrido. O dever de informação impõe aos empregadores, mesmo os apenas potenciais, a obrigação de deixar clara e de forma inequívoca a realização de mera entrevista ou triagem para banco de currículos, sem prazo definido para chamamento ou certeza de sua realização.

Deixar de assim atuar, configura postura omissiva e negligente, contrária a um padrão de comportamento desejável e cauteloso, provocando situações dúbias e potencialmente lesivas.

No direito norte-americano, por exemplo, é comum ser questionada perante o Judiciário a validade da exigência de determinados requisitos para a ocupação de um posto de trabalho, reconhecida apenas em casos de motivo plausível, como em atendimento às necessidades do negócio (business necessity) ou à qualificação ocupacional de boa-fé (BFOQ-Bona Fide Occupational Qualification).28

No curso do contrato, dada a multiplicidade de direitos e deveres de cada um dos sujeitos, seu trato sucessivo e o prazo indeterminado, ainda maior se faz a influência da boa-fé objetiva.

No rol dos arts. 482 e 483 CLT são descritas de modo genérico condutas atribuíveis aos integrantes da relação de emprego, cuja gravidade pode amparar sua terminação.

O grau de indefinição de algumas hipóteses, verdadeiras cláusulas abertas, ainda que alvo de críticas, possibilita concretamente a atualização de seu conteúdo pelos Operadores do Direito, pela via hermenêutica, sem necessidade de modificação do texto.

A embriaguez habitual ou em serviço (art. 482, alínea “f”, da CLT), por dificultar a execução do contrato, prejudicar o desempenho do trabalhador, acarretar problemas de relacionamento com colegas, superiores e até clientes, por exemplo, foi considerada falta a ensejar a despedida por justa causa.

Contudo, 70 anos após a criação da norma, incontáveis e expressivas modificações ocorreram em todo o mundo, nas mais variadas áreas do conhecimento, alterando de modo significativo a vida em sociedade.

Com isso, determinados fatos, como a embriaguez, foram objeto de análise, sendo revelada sua condição de verdadeira patologia, tratada pela OIT como “síndrome de dependência” (CID F10.2). Acaba desconstituída a imagem do alcoolismo como falha de conduta.

Promover a dispensa de empregado doente, lhe atribuir a pecha de culpado pelo término da relação, lhe privar do recebimento de verbas alimentares e do acesso ao seguro-desemprego, agravando ainda mais situação de vulnerabildade já acentuada, são atos diametralmente contrários a um standard de conduta e diligência, ferindo, inclusive, a função social do contrato (art. 421 do Código Civil).29

Ao invés disso, deve o empregado ser encaminhado a tratamento clínico, a fim que seja enfrentada a moléstia como tal, dando margem ao pagamento pelo INSS de auxílio-doença ou mesmo de aposentadoria por invalidez, conforme recomendar o caso, e à suspensão ou extinção do contrato (Lei nº 8.213/91, arts. 42 e 59).30

Embora tal enfrentamento não possua previsão expressa em lei, decorre, como defendido por Rodrigo Goldschmidt e Fabiana Rebechi Müller, de “uma reinterpretação da alínea ‘f’ do artigo 482 da CLT à luz do princípio da dignidade da pessoa humana e do caput do artigo 7º da Constituição”, sendo ponderado com propriedade, que “a punição hoje é, além de ineficaz, completamente descontextualizada.”31

No tocante aos contratos a prazo determinado, em específico o de experiência, a boa-fé objetiva também possui relevância a ser examinada.

Concretizada a admissão do trabalhador para um período de testes, a prazo certo, pode qualquer das partes, antes do decurso ou da conversão em contrato a prazo indeterminado, por fim ao negócio, bastando pagar ao outro contratante uma indenização em valor limitado por lei, de acordo com o disposto nos arts. 479 e 480 da CLT.32

Da literalidade destas regras, conclui-se regerem hipótese rara no Direito do Trabalho, na qual a autonomia da vontade pode ser livremente exercida.

Ocorre que em matéria obrigacional, por vezes, as formas acabam por subverter o conteúdo, causando uma ilusão a quem busca analisá-lo.

Como já sustentado, devem os contratantes ser diligentes em todos os sentidos, não criando falsas expectativas na parte contrária e adotando as medidas necessárias a minimizar riscos.

Formalizar negócio a prazo e, em exíguo tempo, insuficiente de modo notório para avaliar o posto de trabalho e o próprio trabalhador, promover sua extinção, sem qualquer motivo relevante, demonstra quebra de um padrão minimamente ético.

Mais uma vez, reconheço não haver lei que obrigue os contratantes a fundamentar a manifestação de vontade de promover a extinção antecipada. No entanto, ao assim proceder, o sujeito rompe a justa expectativa do outro, dando margem a prejuízos das mais variadas ordens, causados pelo desligamento de emprego anterior, cessação da busca de novo posto, iniciação de treinamento e substituição, bem como risco concreto de perda para um concorrente de um candidato pré-selecionado, por exemplo.

A este respeito, o seguinte precedente do TRT da 15ª Região, de lavra da Exma. Des. Federal do Trabalho Gisela R. M. de Araujo de Moraes:

EMENTA: DANO MORAL. DEMISSÃO NO DIA SEGUINTE AO DA CONTRATAÇÃO. BOA-FÉ OBJETIVA DO EMPREGADO VIOLADA. O dano moral encontra fundamento legal nas disposições contidas no art. 5º, V e X, da Carta Constitucional, caracterizando-se pela violação de direitos individuais, a saber: a intimidade, privacidade, honra e imagem da pessoa. A violação de quaisquer desses direitos deve ser provada e demonstrado que a vítima suportou sentimentos de humilhação, desamparo e teve seu estado psicológico abalado. Excluem-se, portanto, a comoção resultante de fatos regulares da vida, os melindres particulares desta ou daquela pessoa e as suscetibilidades decorrentes da maior sensibilidade desta ou daquela vítima. No presente feito, caberia ao reclamante provar as repercussões que o alegado ato ilegal produziu na esfera social, o que, após, consultar os autos, verifica-se que assim o fez. As provas dos autos demonstram que foi a recorrente quem convocou a obreira para participar, como única candidata, ao cargo de auditora júnior; que foi submetida à entrevista, exame admissional, abriu conta corrente em banco indicado pela empresa, participou de treinamento de Integração de Novos Colaboradores, sendo, inclusive, diplomada; recebeu o manual de solicitação e utilização de veículos da reclamada e que iniciou, de fato, a prestação de serviços, sendo dispensada no segundo dia após sua admissão, sob o fundamento de que a Diretoria não havia sua contratação. Desta forma, a reclamada, ao despedir a obreira no dia seguinte a sua admissão, violou a boa-fé objetiva da autora, a qual deve ser plenamente reparável na forma dos dispositivos civilistas retro mencionados (arts. 187 e 927 do CC/02). Recurso ordinário conhecido e não provido.(Processo nº 00446-2009-065-15-00-4-RO, 3ª Turma, 5ª Câmara, Publicado em 02.7.2010)

Mesmo entendimento acerca do agir prudente teria aplicação a situações envolvendo acidentes de trabalho no curso do período de prova.

Afastado o trabalhador por tempo superior a 15 dias e suspenso o contrato, via de regra, quando da alta previdenciária e de seu retorno, sequer lhe é exigido o cumprimento dos dias faltantes, sendo majoritária na jurisprudência a posição acerca da incompatibilidade entre a natureza a prazo certo do pacto e o direito à preservação do emprego por, no mínimo, 12 meses (Lei nº 8.213/91, art. 118).33

De fato, não há como impedir o empregador de considerar resolvido o negócio pelo decurso de prazo, por sua própria natureza. Contudo, ante a peculiaridade da ocorrência de um sinistro de média gravidade, plenamente razoável exigir a exposição do motivo que levou à rejeição da experiência, por presumível que o término do liame tenha decorrido, na realidade, dos efeitos do acidente, o que configura prática discriminatória e atrai a aplicação do disposto na Lei nº 9.029/95, art. 4º, c/c art. 129 do Código Civil,34e não da falta de predicados do trabalhador.

Mesmo após o término do pacto, seguem as partes com algumas obrigações recíprocas, nem sempre expressas e por isso dedutíveis da cláusula geral de boa-fé.

Como exemplos, os deveres de guardar sigilo por segredos industriais e dados privilegiados, de não prestar informações falsas e difamatórias, de não agir de modo a causar constrangimento público ou embaraço à recolocação no mercado ou, ainda, de manter benefícios não suprimidos tão-logo findo o contrato.

Sobre o tema, as seguintes decisões:

EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL PÓS CONTRATUAL – ATO LESIVO À BOA FAMA DA EX-EMPREGADA – DANO MORAL. A reclamante logrou comprovar que o reclamado, diante de novo emprego ou simples proposta, comunicava-se com o novo ou potencial empregador, maculando sua imagem. A conduta, antijurídica e lesiva à boa fama da ex-empregada, viola o princípio da boa fé objetiva, que deve orientar os parceiros contratuais na celebração e execução do contrato, assim como nas fases pré e pós-contratual. Confirma-se, por isso, a r. sentença que condenou o reclamado ao pagamento de indenização por danos morais. (TRT da 3ª Região, processo nº 0168200-93.2009.5.03.0050-RO, Relatora Juíza Convocada Taísa Maria Macena de Lima, 10ª turma, publicado em 30.11.2010)

EMENTA: RECURSOS ORDINÁRIOS DO RECLAMADO E DO RECLAMANTE. MATÉRIA COMUM. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. MONTANTE. Reclamante xingado e ameaçado via rede mundial de computadores pelo seu antigo empregador, em virtude daquele ter ajuizado reclamatória trabalhista. Dano moral configurado. Indenização adequadamente arbitrada. Recursos desprovidos. (TRT da 4ª Região, processo nº 0000098-34.2010.5.04.0701-RO, Relatora Des. Federal do Trabalho Maria da Graça Ribeiro Centeno, 7ª Turma, publicado em 09.12.2010)

EMENTA: QUEBRA DA BOA-FÉ OBJETIVA. A confiança é um dos fundamentos dos negócios jurídicos. A constituição de uma relação de confiança se realça quando vinculada a uma situação de fato que, no caso, vinha sendo mantida entre as partes desde 1979, como informa a petição inicial. Na espécie, a legítima expectativa do reclamante derivou da manutenção espontânea do seu plano de saúde por parte da ré, mesmo após a aposentadoria por invalidez. Por esse ato, dotado de inegável eficácia negocial, a ré vinculou-se na manutenção do plano de saúde do autor, fazendo com o que o demandante criasse uma sensação de segurança de que poderia contar com aquele benefício para fazer frente ao tratamento da doença que o torna incapaz para o trabalho.(TRT da 4ª Região, processonº0000222-65.2010.5.04.0006-RO, Relator Juiz Convocado Ricardo Hofmeister de Almeida Martins Costa, 7ª turma, publicado em 14.10.2010)

EMENTA: DIREITO AO TRABALHO – CLÁUSULA CONTRATUAL PROIBITIVA DO EXERCÍCIO LIVRE DO TRABALHO- DANO MORAL, A Declaração Universal dos Direitos Humanos registra, expressamente, que ‘toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do seu trabalho e a condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à proteção contra o desemprego’. O direito ao trabalho trata-se de postulado inerente à própria natureza humana. A Constituição da República adotou o primado do trabalho ao dispor a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho como alguns dos fundamentos da República (CF/88 – artigo 1º, incisos III e IV). Nesse sentido, é abusivo ato do empregador que de forma unilateral dispensa o empregado da prestação de serviços e ao mesmo tempo cria óbice contratual que impede o exercício de atividade laboral livre sem sua prévia autorização e, diante desse fato, propõe distrato. Esse mecanismo antijurídico e nefasto imposto pelo empregador não lhe traz nenhuma utilidade, mas reflete apenas a intenção de prejudicar o empregado, atingindo regras de conduta contratuais anexas que se encontram presentes em cláusulas gerais referente à boa fé objetiva, função social do contrato, dignidade pessoa. Nessas circunstâncias, o processo pelo qual passou o obreiro traduz típico assédio moral. O dano moral advindo desse abuso de direito presume-se jure et de jure, decorre da própria ocorrência do fato. O obreiro teve a sua honra objetiva e subjetiva aviltada de forma grave. (TRT da 9ª Região, processo nº 00746-2008-892-09-00-3-RO, Relatora Des. Federal do Trabalho Ana Carolina Zaina, 2ª turma, publicado em 08.10.2010)

EMENTA: INFORMAÇÕES DESABONADORAS SOBRE EX-EMPREGADO. DANO MORAL. O empregador não está obrigado a prestar informações sobre o ex-empregado, mas ao fazê-lo não pode prestar informes que comprometam a vida profissional do trabalhador, inclusive a existência de ação trabalhista. Demonstrado nos autos que a empresa informava a quem lhe pedia referências que o empregado havia ajuizado ação trabalhista e decorrendo deste fato longo período de desemprego, forçosa a manutenção da sentença que deferiu o pagamento de indenização por dano moral, até para coibir atos desta estirpe, que configura verdadeira ‘lista negra’, atenta contra o direito de petição e incentiva o descumprimento da lei trabalhista, com prejuízo que ultrapassa a seara individual. (TRT da 12ª Região, processo nº 02233-2009-018-12-00-6, Relator Juiz José Ernesto Manzi, 2ª câmara, publicado em 17.3.2010)

Diante das ponderações formuladas, cabe aos Operadores do Direito aprofundar o debate acerca da influência do Princípio da Boa-Fé Objetiva sobre as obrigações que compõem o contrato de trabalho, a fim de promover o aperfeiçoamento das relações e a adoção de um padrão de agir diligente em face do outro, verdadeiro mandamento constitucional (arts. 1º, inciso IV, e 170) e primeiro passo rumo à construção de uma sociedade livre, justa e solidária indispensável à efetivação da dignidade da pessoa humana (arts. 1º, inciso III, e 3º, inciso I, da Constituição).35

4. Conclusões.

Por conta da origem no Direito Civil, acaba o Direito do Trabalho sofrendo a influência de regras e Princípios atinentes ao Direito Privado, merecendo destaque o Princípio da Boa-Fé Objetiva.

Como padrão de conduta diligente afeta, inclusive por mandamento constitucional, as obrigações trabalhistas e se irradia às fases pré e pós-contratual. Possibilita ao intérprete alcançar o legítimo sentido das normas jurídicas e preencher as lacunas existentes.

Assim, embora parte da jurisprudência já reconheça tal importância, premente aprofundar ainda mais a questão, de modo que toda a sociedade incorpore os valores éticos que compõem a boa-fé objetiva, verdadeiro mandamento constitucional, e primeiro passo na construção de uma sociedade livre, justa e solidária, bases da concretização da dignidade da pessoa humana (arts. 1º, inciso III, e 3º, inciso I, da Constituição).

5. Referências.

* AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor. Rio de Janeiro: Aide Ed., 1991.

* ARAÚJO, Francisco Rossal de. A boa-fé no contrato de emprego. São Paulo: LTr, 1996.

* CAMINO, Carmen. Direito individual do trabalho. Porto Alegre: Ed. Síntese, 2004.

* COUTO E SILVA, Clóvis Veríssimo do. A obrigação como processo. São Paulo: José Bushatsky, Editor, 1976.

* GOLDSCHMIDT, Rodrigo. e MÜLLER, Fabiana Rebechi. A embriaguez habitual como hipótese de justa causa frente ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região. Florianópolis, nº 22, julho/dezembro 2005, pp. 133-48, disponível em <http://www.trt12.jus.br/portal/areas/revista/extranet/22.jsp>. Acesso em 29.5.2013.

*. GRAU, Eros Roberto. Ensaio e Discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito. São Paulo: Malheiros Editores, 2002

* HENTZ, André Soares. Origem e evolução histórica da boa-fé no ordenamento jurídico brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, nº 1.541, 20.9.2007. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/10427/origem-e-evolucao-historica-da-boa-fe-no-ordenamento-juridico-brasileiro>. Acesso em 29.5.2013

* JAKUTIS, Paulo. Manual de Estudo da Discriminação no Trabalho: Estudos sobre Discriminação, Assédio Moral e Ações Afirmativas, por meio de comparações entre o Direito do Brasil e dos Estados Unidos. São Paulo: LTr, 2006.

* MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

* PLÁ RODRIGUES, Américo. Tradução de Wagner D. Giglio. Princípios de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr: Editora da Universidade de São Paulo, 1978.

* PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. Campinas: Bookseller, 2000, Tomo III.

* RAMIL, Vitor. Satolep. São Paulo: Cosac Naify, 2008.

* REALE, Miguel. A boa-fé no Código Civil. Publicado em 16.8.2003. Disponível em: <http://www.miguelreale.com.br/artigos/boafe.htm>. Acesso em 29.5.2013.

1 Texto publicado originalmente em OLIVEIRA, Cínthia Machado de. DORNELES, Leandro do Amaral Dorneles de. (Organizadores). Temas de Direito e Processo do Trabalho. Vol. II. Teoria Geral do Direito do Trabalho: Estudos em Homenagem a Carmen Camino. Porto Alegre: Verbo Jurídico editora., 2013, p. 249-67.

2 RAMIL, Vitor. Satolep. São Paulo: Cosac Naify, 2008, p. 08.

3 CAMINO, Carmen. Direito individual do trabalho. Porto Alegre: Ed. Síntese, 2004, p. 59.

4 Art. 8º. As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.

Parágrafo único – O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste.

5 ARAÚJO, Francisco Rossal de. A boa-fé no contrato de emprego. São Paulo: LTr, 1996, p. 21.

6 Ob. cit. p. 23-4.

7 ARAÚJO, Francisco Rossal de. A boa-fé no contrato de emprego. São Paulo: LTr, 1996, p. 26-7.

8 HENTZ, André Soares. Origem e evolução histórica da boa-fé no ordenamento jurídico brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1541, 20.9.2007. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/10427/origem-e-evolucao-historica-da-boa-fe-no-ordenamento-juridico-brasileiro>. Acesso em 29.5.2013.

9 Art. 131. Sendo necessário interpretar as cláusulas do contrato, a interpretação, além das regras sobreditas, será regulada sobre as seguintes bases:

1. a inteligência simples e adequada, que for mais conforme à boa fé, e ao verdadeiro espírito e natureza do contrato, deverá sempre prevalecer à rigorosa e restrita significação das palavras;

10 Art. 112. Presumem-se, porém, de boa-fé e valem os negócios ordinários indispensáveis à manutenção de estabelecimento mercantil, agrícola, ou industrial do devedor.

11 Na realidade, além do art. 112, atinente à parte geral, é feita menção à boa-fé em mais 24 disposições do Código Civil de 1916 (arts. 221, 255, 337, 490, 491, 510, 511, 514, 516, 549, 550, 551, 612, 619, 622, 933, 935, 968, 1072, 1272, 1382, 1404 1443 e 1477), sem maior relevância, afetos a diversos ramos, como ao direito das coisas, de família, societário e securitário.

12 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 267.

13 REALE, Miguel. A boa-fé no Código Civil. Publicado em 16.8.2003. Disponível em: <http://www.miguelreale.com.br/artigos/boafe.htm>. Acesso em 29.5.2013.

14 Art. 4º. A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

(…)

III – harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

(…)

IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

15 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

(…)

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

16 Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.

17 AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor. Rio de Janeiro: Aide Ed., 1991, p. 239.

18 Art. 749. O transportador conduzirá a coisa ao seu destino, tomando todas as cautelas necessárias para mantê-la em bom estado e entregá-la no prazo ajustado ou previsto.

19 COUTO E SILVA, Clóvis Veríssimo do. A obrigação como processo. São Paulo: José Bushatsky, Editor, 1976, p. 30.

20 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. Campinas: Bookseller, 2000, Tomo III, p. 374.

21 AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor. Rio de Janeiro: Aide Ed., 1991, p. 239.

22 PLÁ RODRIGUES, Américo. Tradução de Wagner D. Giglio. Princípios de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr: Editora da Universidade de São Paulo, 1978, p. 15.

23 Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

24 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e Discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 38.

25 Confirmando a complexidade obrigacional do contrato de trabalho, as diversas condutas cuja violação pode configurar justa causa, conforme rol exemplificativo dos arts. 482 e 483 da CLT.

26 Art. 373-A. Ressalvadas as disposições legais destinadas a corrigir as distorções que afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho e certas especificidades estabelecidas nos acordos trabalhistas, é vedado:

(…)

IV – exigir atestado ou exame, de qualquer natureza, para comprovação de esterilidade ou gravidez, na admissão ou permanência no emprego;

27 Art. 427. A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso.

28 JAKUTIS, Paulo. Manual de Estudo da Discriminação no Trabalho: Estudos sobre Discriminação, Assédio Moral e Ações Afirmativas, por meio de comparações entre o Direito do Brasil e dos Estados Unidos. São Paulo: LTr, 2006, p. 156-7.

29 Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.

30 Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.

Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.

31 GOLDSCHMIDT, Rodrigo. e MÜLLER, Fabiana Rebechi. A embriaguez habitual como hipótese de justa causa frente ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região. Florianópolis, nº 22, julho/dezembro 2005, p. 133-48, disponível em <http://www.trt12.jus.br/portal/areas/revista/extranet/22.jsp>. Acesso em 29.5.2013.

32 Art. 479. Nos contratos que tenham termo estipulado, o empregador que, sem justa causa, despedir o empregado será obrigado a pagar-lhe, a titulo de indenização, e por metade, a remuneração a que teria direito até o termo do contrato.

Parágrafo único – Para a execução do que dispõe o presente artigo, o cálculo da parte variável ou incerta dos salários será feito de acordo com o prescrito para o cálculo da indenização referente à rescisão dos contratos por prazo indeterminado.

Art. 480. Havendo termo estipulado, o empregado não se poderá desligar do contrato, sem justa causa, sob pena de ser obrigado a indenizar o empregador dos prejuízos que desse fato lhe resultarem.

§1º – A indenização, porém, não poderá exceder àquela a que teria direito o empregado em idênticas condições.

33 Art.118. O segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantida, pelo prazo mínimo de doze meses, a manutenção do seu contrato de trabalho na empresa, após a cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente de percepção de auxílio-acidente.

34 Art. 4o O rompimento da relação de trabalho por ato discriminatório, nos moldes desta Lei, além do direito à reparação pelo dano moral, faculta ao empregado optar entre:

I – a readmissão com ressarcimento integral de todo o período de afastamento, mediante pagamento das remunerações devidas, corrigidas monetariamente, acrescidas dos juros legais;

II – a percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento, corrigida monetariamente e acrescida dos juros legais.

Art. 129. Reputa-se verificada, quanto aos efeitos jurídicos, a condição cujo implemento for maliciosamente obstado pela parte a quem desfavorecer, considerando-se, ao contrário, não verificada a condição maliciosamente levada a efeito por aquele a quem aproveita o seu implemento.

35 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III – a dignidade da pessoa humana;

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;

O “08 de janeiro” e o Direito do Trabalho: despedida por justa causa ou discriminatória?

Oscar Krost

Os fatos ocorridos no último domingo (08 de janeiro) pararam o país. Tudo o que ocupava as pautas televisivas, midiáticas e sociais acabou posto de lado.

O Direito do Trabalho não ficou de fora e perguntas começaram a ser feitas sobre os efeitos do ocorrido nas relações de emprego.
Patriotismo, vandalismo, terrorismo…o termo adotado importa menos do que o precedente a ser criado a partir da decisão do empregador sobre a continuidade ou não do contrato, bem como a forma com que a trabalhadora ou o trabalhador punida/punido reagirá.

A participação na manifestação que depredou prédios públicos na capital federal, pura e simples, enseja a configuração de justa causa? Em caso de resposta positiva, em qual das alíneas do art. 482 da CLT seria a capitulação?

Depende.

Estar em um espaço público de forma pacífica, exercendo a liberdade de expressão, pura e simples, não traz qualquer repercussão na esfera trabalhista. Em um regime democrático a regra é a liberdade de pensar e agir.

Contudo, se a presença envolver direta ou indiretamente o fomento, instigação ou a prática de atos violentos, inclusive preparatórios, e isto vier a público, pode caracterizar quebra do dever de boa-fé e atentar contra a boa fama do empregador. Na hipótese de pactuação de cláusula contratual especifica, envolvendo direito de imagem ou condutas não admitidas a questão ganha contornos ainda mais definidos.

Caberia aplicar o art. 482, parágrafo único, da CLT para fundamentar a dispensa por justa causa?

Novamente depende.

Há três correntes sobre o tema.

A primeira entende não recepcionado pela Constituição de 1988 o dispositivo; a segunda o considera revogado pela Lei n. 8.630/93, art. 76; a terceira reputa vigente e aplicável.

Majoritariamente, portanto, entende-se que a regra em questão não seria fundamento à dispensa por justa causa. Há fundamento em sentido diverso, porém minoritário.

A prova da participação efetiva e do grau de envolvimento caberá sempre ao empregador, e sua correta tipificação,.diante do Princípios da Proteção e da Legalidade, além da Presunção de Inocência e da Continuidade da Relação de Emprego.

Agir com imediatidade e proporcionalidade também é essencial para que, de um dia para o outro, alguem que não apenas tolerou como estimulou posturas de índole questionável e hoje repudiadas se torne guardião da Constituição e do Estado Democrático de Direito. Muito cuidado no julgamento moral, antes mesmo de adentrar na esfera jurídica.

E a dispensa sem justa causa de quem organizou ou participou das manifestações é regular ou pode ser entendida como discriminatória?

Depende.

Mais uma vez devemos atentar aos detalhes dos elementos do caso concreto e das circunstâncias que os antecederam. Não apenas de parte de quem trabalha, como de quem emprega.

Geralmente, a experiência demonstra que a corda arrebenta do lado mais fraco, hipossuficiente e vulnerável. Não é sempre, mas uma forte tendência.

Feliz ou infelizmente, não há respostas prontas, acabadas e definitivas para as dúvidas postas e porvir. Cautela e ponderação são essenciais, principalmente no calor da emoção, quer para evitar caça às bruxas e revanchismos, quer para não banalizarmos as garantias e conquistas constitucionais sociais.

Além disso, assim como ocorreu nos recentes debates sobre a vacinação compulsória e a relação de emprego, o que hoje for decidido sobre os limites do Poder Diretivo, para o bem e para o mal, servirá como precedente sobre “hard cases” futuros, gerando repercussões completamente desconhecidas em 11 de janeiro de 2023.

Ao debate e à busca dos porquês!

“Litigantes em fuga: o ocaso da Justiça do Trabalho?” – resenha

Conhecer o passado para entender o presente e orientar o futuro.

Compreender razoavelmente a relação entre causas e consequências.

Entender o quão contraditórios podem ser fatos e narrativas.

Em síntese, as principais contribuições de “Litigantes em fuga: o ocaso da Justiça do Trabalho?” (Dialética Editora, 2022), adaptação em livro da tese de doutorado junto à PUC/PR do amigo e Juiz do Trabalho Lourival Barão Marques Filho (TRT9).

Com rigor metodológico, viés crítico e análise aprofundada, o texto conta com um estilo próprio, de fácil e agradável leitura. Permite que tema denso, complexo e multicausal possa ser abordado com clareza e leveza.

Lourival traça a história da Justiça do Trabalho no Brasil, examina seu desenvolvimento e relaciona a atuação jurídico-econômica-social em um contexto mais amplo.

Para além de doxa (opinião), está-se diante de legitima episteme (verdade), perpassando por dados estatísticos regionais (TRT9) e nacionais (TST), doutrina, jurisprudência e legislação.

Nada escapa ao olhar do pesquisador.
Não busca culpados ou inocentes, apenas evidencia a responsabilidade de cada ator jurídico e político, como sujeito histórico nas mudanças em curso. A intenção é fugir de reducionismos e clichês consagrados livremente sobre litigância e malversação do acesso à Justiça.

Muito mais poderia ser escrito sobre a “desidratação” do Judiciário Trabalhista e de seu eminente “ocaso”, para utilizar termos adotados ao lonfo a obra, mas ultrapassaria os limites aqui propostos.
Fiquemos, então, com o clássico “recomendo”.

O DEVER DE MOTIVAÇÃO DA DESPEDIDA POR INICIATIVA DO EMPREGADOR À LUZ DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA

Carolina Prates Carrasco

Com o advento da CLT em 1943, foi consagrada a estabilidade decenal aos empregados de forma geral. Posteriormente, em 1966, foi instituído o sistema do FGTS por meio da Lei nº 5.107, como alternativa à estabilidade decenal. Assim, foi instituído um sistema híbrido, em que o empregado passou a poder escolher entre adquirir a estabilidade no emprego após dez anos de serviço ou aderir ao sistema do fundo de garantia. No entanto, alguns autores criticam a introdução dessa “opção”, argumentando que, na prática das contratações, a escolha pelo regime do FGTS passou a ser requisito de admissão no emprego1.

Finalmente, em 1988, com a promulgação da Constituição Cidadã, a estabilidade decenal caiu em desuso, sendo considerada revogada para a doutrina majoritária. Para a maioria dos autores, o legislador constituinte optou pelo sistema da indenização compensatória sobre o saldo do FGTS, a teor do art. 7º, inciso I da CF, cumulado com o art. 10, I do ADCT. No entanto, o regime do FGTS não constitui mecanismo efetivo de proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, desempenhando apenas o papel de minimizar a situação de desamparo do trabalhador enquanto busca um novo emprego.

Com efeito, em 1988, a Constituição passou a prever, em seu artigo 7º, inciso I, enquanto direito dos trabalhadores, a “relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos”. Assim, o legislador constituinte condicionou a proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa à edição de lei complementar. Contudo, a referida lei complementar jamais foi editada, suscitando debates doutrinários quanto à interpretação do referido dispositivo.

Para a maior parte da doutrina, a Constituição de 1988 revogou a antiga estabilidade decenal prevista no art. 492 da CLT, e, além disso, consagrou exclusivamente a indenização compensatória de 40% sobre o FGTS disposta no art. 10, I do ADCT como mecanismo de proteção ao emprego, haja vista que o valor visa a inibir as dispensas.

Por outro lado, alguns doutrinadores entendem que, ainda que a Carta Constitucional não tenha consagrado a “estabilidade absoluta”, como a antiga estabilidade decenal ou a estabilidade estatutária, ela estipulou uma vedação à dispensa arbitrária. Como despedida arbitrária ou sem justa causa se entende a denúncia contratual vazia, imotivada. Na linha do disposto no caput do art. 165 da CLT, trata-se da dispensa não fundada em justificativa disciplinar – a exemplo das faltas do art. 482 da CLT, ensejadoras de dispensa por justa causa – ou em justificativa técnica, econômica ou financeira – alheias ao comportamento do empregado, mas decorrentes de necessidades da atividade empresarial, como dispensas decorrentes de crise econômica.

Com efeito, em que pese se trate de uma discussão antiga, diante dos altos índices de desemprego e de rotatividade da mão de obra presentes no Brasil, e agravados pela pandemia de Covid-19, o debate acerca da proteção da manutenção do emprego mantém a sua relevância. É claro que tais indicadores socioeconômicos não se atribuem exclusivamente ao Direito do Trabalho, no entanto, uma maior ou menor rigidez na proteção juslaboral ao emprego pode influenciar essas estatísticas.

Nesse sentido, um cenário como o brasileiro, de grande flexibilidade à despedida praticada pelo empregador, somada a taxas elevadas de desemprego, agrava a situação de vulnerabilidade do empregado perante o poder patronal, tornando a relação de trabalho ainda mais assimétrica. Nesse contexto, o trabalhador sabe que poderá ser facilmente substituído e que, por outro lado, caso dispensado, terá dificuldade em conseguir outro emprego. Portanto, esse empregado não poderá exigir, efetivamente, o cumprimento da legislação laboral pelo empregador, diante do medo de ser despedido.

Dessa forma, a ampla aceitação à despedida imotivada por iniciativa do empregador, tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência, impede a concretização dos demais direitos fundamentais juslaborais. Um exemplo é o prejuízo ao direito de ação do trabalhador, com a prescrição da ação trabalhista no curso da relação de emprego, consoante o art. 7º, XXIX da CF, ao passo em que, na prática, o empregado dificilmente ajuizará ação durante o curso do contrato de trabalho, sabendo que poderá ser despedido, sem motivo válido, em retaliação. Contudo, em razão da previsão legal de prescrição durante o curso da relação de emprego, ele só poderá receber as verbas correspondentes aos últimos cinco anos do pacto laboral, ocorrendo, portanto, uma renúncia a créditos alimentares2.

Outrossim, os contratos de emprego apresentam como características o trato sucessivo, o prazo indeterminado, o elemento da pessoalidade, e, ainda, envolvem uma multiplicidade de direitos e deveres. Em razão disso, nos vínculos trabalhistas, o princípio da boa-fé objetiva apresenta uma vasta atuação.

Nessa linha, a cláusula geral da boa-fé objetiva, que ganhou destaque no ordenamento jurídico brasileiro com o Código Civil de 2002, mas que já vinha sendo desenvolvida pela doutrina nacional, define um standard ou padrão de conduta às partes do vínculo contratual, mesmo nas fases que o antecedem ou sucedem. Ela já é amplamente utilizada no Direito do Trabalho, haja vista a aplicação subsidiária do direito comum ao microssistema juslaborativo, a teor dos arts. 8º, §1º e art. 769 da CLT.

A boa-fé objetiva pode desempenhar diferentes funções no vínculo contratual, entre elas, a função geradora de deveres anexos ou instrumentais, destinados a assegurar o perfeito cumprimento das obrigações contratuais, isto é, o adimplemento satisfatório. É desta função que decorrem os deveres de respeito, lealdade, colaboração ou cooperação e honestidade, exigidos na conduta dos figurantes dos negócios jurídicos. Entre estes deveres anexos, está o dever de informar, já empregado no ramo juslaboral, especialmente na fase pré-contratual, pois, nesse momento, as partes devem obter todas as informações necessárias à formação do seu convencimento e da sua livre vontade acerca da decisão de contratar ou não.

Não obstante, o dever de informar também é aplicado, em algumas situações, no momento de cessação do contrato de trabalho, traduzido enquanto dever de motivação, para impor limites ao direito potestativo do empregador de despedir. São exemplos disso as hipóteses de garantia no emprego, como dos titulares da representação dos empregados na CIPA, previsto no art. 165 da CLT, e de dispensa discriminatória, previstas na Lei nº 9.029/95, as quais vêm sendo ampliadas por construção jurisprudencial. Em tais hipóteses, o empregador deverá comprovar a motivação legítima para o ato de resilição contratual. Segundo Oscar Krost3, a exigência de motivação para a denúncia do contrato também poderia se estender a casos de acidentes de trabalho durante contratos por prazo determinado, como contratos de experiência, a fim de evitar práticas discriminatórias.

Essa lógica deriva, para além da proteção individual ao trabalhador, da necessidade de observância a um padrão ético: o empregador não pode se valer do instituto da despedida para prática discriminatória contra o empregado, ou para dispensá-lo em período de enfermidade ou incapacidade temporária. A despedida deve ocorrer em consonância à boa-fé objetiva, ou seja, não pode conter motivação fraudulenta ou finalidade escusa.

Tal raciocínio encontra ressonância também no âmbito do Direito Internacional do Trabalho, através da Convenção nº 158 da OIT, que reconhece o princípio da justificação social da despedida, e não a estabilidade absoluta. Apesar de diversos países, com diferentes níveis de desenvolvimento, aplicarem a Convenção, no Brasil o seu processo de incorporação foi extremamente conturbado e ela não é aplicada atualmente às relações trabalhistas no país.

A boa-fé privilegia a estabilidade ou a segurança das relações jurídicas, gerando uma previsibilidade de condutas. Assim, as despedidas que contenham motivos torpes devem ser consideradas abusivas, por exemplo, em razão da idade do trabalhador, ou para substituição de empregado antigo, com o objetivo de manter baixos salários. Portanto, tais resilições contratuais violam o princípio da boa-fé objetiva, destoando do padrão de conduta ético e probo exigido das partes, que devem agir de forma transparente, leal e colaborativa. E a forma de verificação da real causa da dispensa passa pela exigência de que o empregador exponha a sua motivação para o ato, inclusive para fins de controle judicial4.

Aos interessados, meu TCC completo acerca do tema se encontra disponível em : https://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/251950.

1 CAMINO, Carmen. Direito Individual do Trabalho. 4. ed. Porto Alegre: Síntese, 2004, p. 519.

2 Sobre o tema, ver: https://direitodotrabalhocritico.com/2022/12/13/prescricao-quinquenal-e-garantia-no-emprego-contra-dispensa-arbitraria-ou-sem-justa-causa-as-duas-faces-da-mesma-moeda/

3 KROST, Oscar. O princípio da boa-fé objetiva como balizador de condutas na relação de emprego. In: OLIVEIRA, Cínthia Machado de; DORNELES, Leandro do Amaral Dorneles de (org.). Temas de direito e processo do trabalho: vol. II – Teoria geral do direito trabalho: estudos em homenagem a Carmen Camino. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2013. p. 251-267, p. 262.

4 SEVERO, Valdete Souto. O dever de motivação da despedida na ordem jurídico-constitucional brasileira. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 116.

* imagem: série trabalhadores, Sílvio Reinaldo De Melo

PRESCRIÇÃO “QUINQUENAL” E GARANTIA NO EMPREGO CONTRA DISPENSA ARBITRÁRIA OU SEM JUSTA CAUSA: AS DUAS FACES DA MESMA MOEDA

Oscar Krost

Por se tratar de exceção extintiva da pretensão do direito de ação, a prescrição funciona como uma espécie de “punição” ao credor inerte. Afeta o direito de contar com a tutela judicial na defesa de seu patrimônio jurídico, em nome da segurança das relações sociais, não atingindo o direito em si.

Ocorre que nas relações trabalhistas, de trato sucessivo, em que vigora o Princípio da Continuidade, embora estabelecida uma relação contratual, esta se dá “sob o império da necessidade”.1 Evidente, portanto, a distinção de condições materiais entre os contratantes, razão de ser do Princípio Protetivo e seus desdobramentos.

Examinar topicamente as regras que compõem o art. 7o da Constituição, de modo isolado e descontextualizado, conduz os intérpretes a conclusões opostas às pretendidas pelo Constituinte originário. Põe em xeque os fundamentos e os fins do Direito do Trabalho e, sem meias palavras, sua própria existência.

O inciso XXIX, referente ao direito de ação para postular créditos decorrentes da relação de trabalho, quando limita seu alcance a parcelas vencidas no período de cinco anos, observados dois anos a contar da extinção do pacto, foi idealizado em um sistema de “estabilidade” no emprego, em que vedada a despedida arbitrária ou sem justa causa, segundo o inciso I, e que perdura desde 1988 sem a prometida regulamentação.2

Nada mais equânime, diante da mora legislativa, do que buscarem as Operadoras e os Operadores do Direito o sentido do texto que maior eficácia assegure à intenção da Assembleia Nacional Constituinte, qual seja: enquanto não regulamentada a proteção no posto de trabalho, ineficaz a disposição referente à prescrição “parcial”, não havendo como imaginar a livre postulação em juízo por quem esteja sob dependência econômica de outrem, sob eminente risco da perda abrupta e injustificada da fonte de sustento.

A este respeito, argumenta Ramaís de Castro Silveira:

Se não pode entrar na justiça pois perde o emprego e, depois de despedido, perde todos os direitos maculados no período anterior aos cinco anos que precedem o fim da relação empregatícia, o trabalhador está num brete.

(…)

Estivesse regulamentada, a proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa seria elemento pacificador desta realidade. Isso, pois oneraria o empregador com auspícios demissionários, permitindo que o empregado, até mesmo, defenda processualmente seus direitos, sem ser por isso demitido.”3

Neste sentido, os enunciados aprovados pela Comissão 2 – Relações coletivas de trabalho e democracia, do XV CONAMAT, realizado em Brasília-DF, entre os dias 28 de abril e 1º de maio de 2010, de autoria da Juíza do Trabalho Valdete Souto Severo (TRT4) e do Juiz do Trabalho Flávio Landi (TRT15), respectivamente:

Enquanto não conferirmos efetividade plena ao artigo 7º, I, da CF/88, não se pode declarar a prescrição qüinqüenal.”

PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL CONTRA A DISPENSA ARBITRÁRIA (artigo 7º, I, CF). NÃO-REGULAMENTAÇÃO. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL: INAPLICABILIDADE. Considerando que a prescrição não é um ‘prêmio’ para o mau pagador, enquanto não aplicado efetivamente o direito de proteção contra a dispensa arbitrária previsto no inciso I do art. 7º da CF, que gera ao trabalhador a impossibilidade concreta de buscar os seus direitos pela via judicial, não se pode considerar eficaz a regra do inciso XXIX do artigo 7o, no que se refere à prescrição que corre durante o curso da relação de emprego.”

Sobre o tema, pertinente recordar o Princípio da Unidade da Constituição, pelo qual, segundo Konrad Hesse, esta “somente pode ser compreendida e interpretada corretamente quando é entendida, nesse sentido, como unidade”.4

Em mesmo sentido, a lição de J. J. Gomes Canotilho:

Aplicabilidade directa significa, desde logo, nesta sede – direitos, liberdades e garantias – a rejeição da ‘ideia criacionista’ conducente ao desprezo dos direitos fundamentais enquanto não forem positivados a nível legal. Neste sentido, escreveu sugestivamente um autor (K. Krüger) que, na época actual se assistia à deslocação da doutrina dos ‘direitos fundamentais dentro da reserva da lei’ para a doutrina da reserva de lei dentro dos direitos fundamentais.

(…)

Em termos práticos, a aplicação directa dos direitos fundamentais implica ainda a inconstitucionalidade de todas as leis pré-constitucionais contrárias às normas da constituição consagradoras e garantidoras de direitos, liberdades e garantias ou direitos de natureza análoga.”5

Aplicável, ainda, por analogia, o disposto no Código Civil, art. 197, que regula as causas suspensivas da prescrição em relações entre cônjuges na constância do casamento, ascendentes e descendentes durante o poder familiar e tutelados/curatelados e seus tutores/curadores no curso da tutela/curatela, situações que, à semelhança da relação de emprego são fortemente marcadas por estados de subordinação e/ou dependência.

Segurança e estabilidade são elementos essenciais em qualquer relação jurídica, principalmente de natureza obrigacional, não só por interesse das partes diretamente envolvidas, mas de toda a sociedade. Sem elas, as trocas não se realizam em sua plenitude, tornando prementes a reflexão e o debate sobre a eficácia da prescrição “parcial” ou quinquenal trabalhista.

Do contrário, um instituto criado para estabilizar trocas e fomentar a confiança pode acabar se tornando um salvo-conduto para o inadimplemento voluntário pelo empregador, negando, por completo, o valor social da livre iniciativa.

1 GENRO, Tarso. Introdução à crítica do Direito do Trabalho. Porto Alegre: L & PM Editores Ltda., 1979, p. 76.

2 Em idêntico sentido, o entendimento do Desembargador Jorge Luiz Souto Maior(TRT15, RT nº 0010317-69.2017.5.15.0147 – RO, 1ª Câmara, 1ª Turma, publicado em 26.01.2019. Disponível em <http://busca.trt15.jus.br/search?q=cache:OJ8ZzyvG0lEJ:grumari.trt15.jus.br:1111/doc/27617499+krost+inmeta:ANO_PROCESSO:2017..2019&site=jurisp&client=dev_index&output=xml_no_dtd&proxystylesheet=dev_index&ie=UTF-8&lr=lang_pt&access=p&oe=UTF-8> Acesso em: 13 dez. 2022).

3 CASTRO, Ramaís de Castro Silveira. Estabilidade no emprego: possível, urgente, revolucionária. Porto Alegre: Dom Quixote, 2008, p. 24-5.

4 apud STUMM, Raquel Denize. Princípio da Proporcionalidade no Direito Constitucional Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 1996, p. 56.

5 CANOTILHO. J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Livraria Almedina, 1998, p. 1104.