INSIGHTS DE “A NOITE QUE MUDOU O POP” AO DIREITO DO TRABALHO BRASILEIRO

Oscar Krost – Juiz do Trabalho (TRT12)

Documentário dirigido por Bao Nguyen, “A noite que mudou o pop” (The greatest night in pop), tem duração aproximada de 01h30min e estreou para o público brasileiro nos cinemas e na plataforma Netflix em 29 de janeiro de 2024. O filme trata dos bastidores da gravação da música “We are de world”, em outro 29 de janeiro, no distante ano de 1985, por estrelas da cena pop norte-americana, em campanha por donativos para combater a fome e algumas doenças em África (USA for AFRICA).

Nomes como Ray Charles, Tina Turner, Stevie Wonder, Michael Jackson, Bob Dylan e Cyndi Lauper uniram-se em prol da causa humanitária transcontinental. Capitaneadas por Lionel Richie, coautor da canção ao lado de Jackson, 45 das vozes mais famosas do século XX, sem qualquer cachê, entraram para a história com a gravação do single ouvido por 1.000.000.000 de pessoas, em todo o mundo, no dia do lançamento oficial.

O projeto arrecadou US$80.000.000,00 em vendas, quantia que décadas depois segue fomentando ações sociais no continente africano, alavancando outras iniciativas semelhantes. “Deixe seu ego na porta” foram as palavras do maestro Quincy Jones, responsável pela regência do coletivo, anotadas em um pequeno bilhete manuscrito deixado na entrada do estúdio da A&M Records, na Califórnia, onde o encontro ocorreu.

Como todo documentário, “A noite que mudou o pop” busca reconstituir, sob pontos de vista pouco conhecidos, narrativas históricas inéditas em detalhes ao grande público. Demonstra, ainda, um dos mais importantes papéis da arte, de força motriz de mudanças sociais, além de revelar o quanto exige empenho e transpiração, embora tendamos a enxergar apenas glamour e inspiração.

Aos mais jovens, apresenta um tempo analógico, sem internet, smartphones ou redes sociais, no qual o projeto musical que compõe a trama conseguiu ser mantido em sigilo dos meios de comunicação da época. Faz pensar, inclusive, sobre que motivos poderiam levar astros consagrados a se reunirem de graça durante uma noite inteira, longe dos holofotes e sem qualquer “monetização”, para usar um termo em voga na atualidade.

Cada expectadora/expectador pode assistir a um filme exclusivamente seu, com limites e mensagens, sem que ninguém esteja de todo errado. O cinema, assim como a vida, em se tratando de sentimentos e opiniões, ainda nos permite isso.

Buscasse sintetizar o turbilhão de ideias acelerado pelo filme dirigido por Nguyen, a escolha seria incrivelmente fácil: sinergia. Sim, “A união faz a força”, “juntos somos mais” e “o todo é algo novo em relação à soma das partes”.

Falo sobre 2024, de um mundo pós-pandemia e que tantas lições recebeu, mas que tão poucas parece ter assimilado. Sobrevivemos ao evento planetário mais marcante do século XXI, mas podemos dizer que somos ou estamos melhores?

Sequer os desastres naturais que marcaram o ano de 2023, ceifando vidas e ressignificando espaços geográficos no Brasil, com destaque às chuvas e às cheias da região sul, nos levaram a refletir, debater e recalcular rotas. Baixado o nível dos rios, parece que com as águas também se vão as experiências da tragédia e os compromissos com a mudança.

Em sede trabalhista, inevitável deixar de acessá-la, considerando o propósito desse espaço, ficam questionamentos sobre o que a Reforma da CLT de 2017, a legislação emergencial da Covid-19 e o Controle Concentrado de Constitucionalidade nos legaram e ainda legam. Revigoramos o agir coletivo, o pensamento no todo a médio e longo prazo e pavimentamos a estrada rumo à concretização do projeto societário consagrado pela Assembléia Nacional Constituinte?

O que fizemos e seguimos fazendo para assegurar a dignidade da pessoa humana, o valor social do trabalho e da livre iniciativas, fundamentos da República? Querer nem sempre é poder, ainda mais quando nos referimos ao dogma da “autonomia da vontade” e seu exercício em meio a uma relação natural e intrinsecamente assimétrica como a de emprego.

O Direito do Trabalho reconhece a centralidade da vontade dos sujeitos, sejam individuais, sejam coletivos. O que nem sempre se aceita são os limites impostos pelo Poder Público (Legislativo, Judiciário e Executivo) para impedir o aviltamento e a desumanização no tráfego jurídico entre quem subordina e quem é subordinado.

O documentário evidencia que apenas unir não basta, juntar não soma e agrupar não resolve. Mostra-se imprescindível compreender que individualmente apenas aparentamos poder algo relevante. Ir além, em busca do muito, exige sinergia e união das melhores partes de cada uma/um, pela criação de algo novo que retroalimenta, em um ciclo, as próprias partes.

O Direito do Trabalho não pode ser lido como um fenômeno individual ou coletivo, mas individual e coletivo. Algo como as duas faces de uma moeda, cuja sombra projetada, quando exposta à luz da realidade, chamamos de Direito Processual do Trabalho, em uma única existência, indissociável. Seguir reduzindo algo tão amplo, potente e relevante a apenas um de seus planos, deixando que a desigualdade de forças graceje, é esvaziá-lo de sentido, contrariando sua vocação histórica e metamorfoseando um campo do saber que rompeu paradigmas, como nenhum outro, da cultura jurídica ocidental no curso do século XX.

Flexibilizar, desregulamentar e fragilizar a teia legal-protetiva, ao que consta, não concretizou as promessas que acompanhava cada uma dessas ações, como combater o desemprego, melhorar a vida das pessoas e reduzir a pobreza. Pelo contrário, apenas minguou uma tutela que se mostrava escassa, negando o compromisso do não-retrocesso.

Podemos deixar nossos egos do lado de fora, alinhar esforços e mostrar que somos o mundo e as crianças, protagonizando a história. Outra opção é dar de ombros, colocar fones de ouvido e escutar sozinhos nossos artistas favoritos em alguma plataforma digital paga.

E como ensina um provérbio xhosa da África do Sul, de inspiração ubuntu, “Umuntu Ngumuntu Ngabantu“, ou seja, “uma pessoa é uma pessoa por causa das outras pessoas“.1 Sinergia para o debate, reflexão e ação!

1Ubuntu é uma palavra existente nas línguas zulu e xhosa, faladas na África do Sul, que exprime um conceito moral, uma filosofia, um modo de viver que se opõe ao narcisismo e ao individualismo tão comuns em nossa sociedade capitalista neoliberal. Pode ser uma alternativa ecopolítica para uma convivência social e planetária pautada pelo altruísmo,  fraternidade e colaboração entre os seres humanos.” (Fonte: <https://ensinarhistoria.com.br/ubuntu-o-que-a-africa-tem-a-nos-ensinar/ – Blog: Ensinar História – Joelza Ester Domingues>. Acesso em: 05 fev. 2024).

Publicado por okrost

Alguem em eterna busca.

2 comentários em “INSIGHTS DE “A NOITE QUE MUDOU O POP” AO DIREITO DO TRABALHO BRASILEIRO

  1. A reflexão me parece perfeita, e feliz inclusive na aproximação que fez com o documentário sobre o clipe musical e os desafios que representou. O Direito do Trabalho, realmente, mais do que nunca deve ser lido como um fenômeno individual E coletivo, à luz dos seus princípios próprios e daqueles consagrados na Constituição da República para realmente concretizar o projeto de sociedade que foi nela desenhado. Preocupa, no entanto, é a escassez de pessoas debatendo e trabalhando para manter um nível elevado na discussão dessa temática, sobretudo a nível prático e atuante, dentro do Poder Judiciário, onde nos parece que muitos julgadores – inclusive nas Cortes Superiores, vêm se “esquecendo” da história e da principiologia próprias deste ramo do direito.

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  2. Excelente reflexão, Oscar!.
    Assisti ao documentário no dia seguinte à estreia e fiquei muito emocionada com a história por trás daquela união das maiores estrelas do pop.
    Até então, só me ocorria pensar que produtores e celebridades dos anos 1996 eram mais humanistas e solidários, mas você fez um ‘link’ sociológico e jurídico perfeito!
    Você como sempre, nos dá o maior orgulho!

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