GEORGENOR DE SOUSA FRANCO FILHO é paraense de Belém, Bacharel em Direito pela UFPA, Especialista em Direito do Trabalho pela Universidad degli Studi di Bologna (Itália) e Doutor em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da USP (summa cum laudae). Desembargador do Trabalho de carreira do TRT8 (PA/AP), do qual foi Corregedor, Vice-Presidente e Presidente. Foi convocado para o TST nos anos 1997, 1998 e 2002. É Doutor “Honoris Causa”, Professor Titular de Direito Internacional e de Direito do Trabalho no Curso de Graduação em Direito e Professor do Programa de Mestrado em Direitos Fundamentais da Universidade da Amazônia (UNAMA). Tem proferido conferências e ministrado cursos em todos os Estados brasileiros e em países da Europa e América Latina. É Presidente Honorário da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e membro de número da Academia Ibero-Americana de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social, além de mais de 50 entidades científicas brasileiras e estrangeiras. Também é autor de mais de 400 artigos doutrinários publicados em periódicos nacionais e estrangeiros, de 49 livros jurídicos, do prefácio de 36 obras jurídicas, coordenador de 10 obras coletivas e coautor de 68 obras coletivas.
Gentilmente, aceitou o convite para o “bate-papo na labuta”, seção do blog “Direito do Trabalho crítico”.
1. Primeiramente, muitíssimo obrigado por aceitar o convite para esta conversa e nos proporcionar conhecer um pouco mais de uma figura que há mais de 40 anos vive intensamente o dia a dia jurídico. A propósito, como o Direito do Trabalho entrou na sua vida e por que ele ficou?
R.: Na adolescência, sonhava ser diplomata. Aos 17 anos, fui estudar cerimonial e protocolo no Itamaraty no Rio de Janeiro e, ao retornar, fui nomeado primeiro Chefe do Cerimonial do Governo do Pará, aos 18 anos de idade, o mais novo do Brasil na época. Era apaixonado por Direito Internacional, tanto que meu primeiro livro foi a “Proteção Internacional dos Direitos Humanos”. Depois, fui convidado para ser Assessor da Presidência do TRT da 8ª Região, pelo então Presidente, meu querido e saudoso amigo Dr. Orlando Teixeira da Costa, que mais tarde foi ser Ministro do TST e foi Presidente da Alta Corte. Em 1981, resolvi ser Juiz do Trabalho. Estudei muito, passei em 1º lugar e fiz carreira, sendo Juiz Substituto, até 1985, quando fui promovido Presidente da então única JCJ de Macapá (no Amapá) e, a pedido, em 1990, fui removido para a Presidência da então 4º JCJ de Belém. Em 1995, fui promovido, por antiguidade (recusei merecimento) para o TRT da 8ª Região, onde me encontro, reeleito Presidente da sua 4ª Turma de julgamento, depois de ter sido Corregedor, Vice-Presidente e Presidente (2002/2004). Gosto do que faço, amo a Justiça do Trabalho e estudo diariamente Direito do Trabalho e as disciplinas correlatas (no silêncio da madrugada é ótimo para ler e estudar) para tentar aprender um pouco, e, aos meus alunos, ensinar um pouco do que sei. Sempre é tempo de aprender.
2. Sua atuação profissional é bastante diversificada, transitando pela magistratura e magistério, nos planos nacionais e internacionais, com vasta produção escrita. Quais as principais referências nesta trajetória, não apenas no meio trabalhista?
R. Papai era jornalista, escritor e poeta. Foi Príncipe dos Poetas do Pará e presidiu anos a fio a Academia Paraense de Letras, cuja cadeira n, 38 agora é ocupada por mim (atualmente sou o terceiro mais antigo membro da APL). Com Papai aprendi a gostar de ler e ouvir os sábios falando. Em 1957, como cinco anos de idade, fui assistir uma sessão da Academia, e de lá para cá (estou chegando aos 70) nunca mais me afastei. Leio, leio muito. Dois romances me influenciaram bastante, de Benjamin Costalat, um autor praticamente desconhecido, brasileiro, que escreveu “Gurya” e “Virgem da Macumba”, que li e não esqueci jamais. Li (não tenho ter vergonha de admitir) “O Pequeno Príncipe”, de Saint-Exupéry. No Direito do Trabalho, minhas influências maiores são Orlando Teixeira da Costa, Arnaldo Lopes Sussekind e Amauri Mascaro Nascimento, pelos quais tenho especial carinho, amizade e saudade.
3. O que mudou no mundo do trabalho e na Justiça do Trabalho nestes mais de 40 anos de atuação profissional?
R.: Tudo. Mudou o mundo, a Justiça e o trabalho. O mundo agora é digitalizado, virtual, rápido demais para percebemos as mudanças. A rigor, sabemos o que é hoje, mas, certamente, amanhã será diferente. As notícias, que levavam dias para chegar a todos lugares, agora chegam em tempo real, e, com elas, as imagens e os sons. É o mundo novo.
E o trabalho vai na mesma linha. Impactados pela pandemia da Covid-19, os trabalhadores do mundo passaram, em grande parte, a desenvolver suas atividades em home office. Isto foi uma das grandes mudanças no sistema trabalhista do mundo. Nesse campo, percebe-se a alteração nos critérios de controle de jornada de trabalho, de identificação de meios de admitir efetiva subordinação jurídica, além de existirem novas atividades e novas formas de contratação.
Na Justiça do Trabalho, como, de resto em todo o Poder Judiciário brasileiro, de março deste ano em diante, intensificou-se a experiência do trabalho a distância. Atualmente, essa realidade é irreversível. As audiências virtuais, as sessões telepresenciais são o nosso normal. Antes, tínhamos o PJE engatinhando, íamos nos preparar para realizar sessões on line, faríamos complexos e demorados treinamentos e, um dia, tudo seria possível de ser aplicado.
A urgência do momento pandêmico que ainda não acabou importou em fazer de pronto, de imediato e, eis que verificamos que todos podíamos fazer e estamos fazendo. Deus não dá um fardo maior do que aquele que podemos suportar, está assim no Livro Sagrado (1Cor., 10:13). Falhas existem e estão sendo e continuarão a ser corrigidas. Mas, é para a frente que temos que caminhar e o amanhã é agora.
Ademais, não esqueçamos que o processo do trabalho, antes simples e eficaz, perdeu suas características e os princípios que originariamente o informavam foram para fundar os juizados de pequenas causas. Hoje, o processo civil, comum, ordinário, ingressou e enraizou-se na Justiça do Trabalho e o que era simples, direto, claro, objetivo, ficou complexo, lento e demorado. Espero que, futuramente, voltemos às nossas verdadeiras origens.
4. Flexibilização, Reforma Trabalhista e Direito do Trabalho de exceção (ou de emergência): qual sua relação e o que esperar dos Operadores do Direito do Trabalho daqui para frente?
R.: As três situações são diferentes, mas, ao final, todas caminham ao mesmo destino: criar instrumentos para melhorar as condições de vida da pessoa humana.
A flexibilização é uma forma admissível de ajuste da legislação tutelar do trabalho, permitindo a atuação mais efetiva dos sindicatos para levar à negociação coletiva a criação de normas autônomas justas que realmente atendam aos parceiros sociais. Não devemos confundir com desregulamentação, esta sim verdadeiramente danosa para o trabalhador porque o deixa ao completo desabrigo e desproteção.
A reforma trabalhista que geralmente tem sido referida é a de 2017, da Lei n. 13.467, que mudou muitos dispositivos da CLT. Mas ela é apenas uma dentre tantas reformas. A CLT, como todos sabemos, nem de longe é a mesma de 1943, e a legislação extravagante é infindável. Um dos pontos mais criticados é o da prevalência do negociado sobre o legislado, mas, data vênia, isto está insculpido com todas as letras no inciso XXVI do art. 7º da Constituição desde sua origem, em 1988, consagrando a supremacia das normas coletivas autônomas, e há quem não leu isso no Texto primitivo.
O chamado Direito do Trabalho de emergência ou de exceção envolve a precarização do trabalho e as formas menos protetivas do Direito do Trabalho tradicional, para fazer face aos problemas econômicos e para atender sobretudo às necessidades empresariais. Seus comentadores dedicam-se a cuidar de neoliberalismo e de formas mais agravantes do trabalho para enfraquecer o trabalhador e suas lutas por melhores condições de vida. A rigor, revela-se mais uma disputa político-ideológica, do que, verdadeiramente, uma preocupação com a salvaguarda da dignidade humana.
Os três aspectos podem ser unidos na busca de ajustar as leis brasileiras à realidade mundial. O diálogo que, antes era Leste-Oeste, depois passou a ser Norte-Sul, e agora parece ser entre quem tem e quem não tem.
O Brasil não pode ficar alheio a tudo isso, e deve tentar se despir de pensamento de lados e pensar e agir em busca do bem comum, que não é fácil de ser atingido.
Devemos acreditar que os operadores do Direito saberão operar essas mudanças. Aos juízes, ver a realidade dos fatos e da vida. Aos advogados, evitar disputas desnecessárias. Aos empresários e trabalhadores, unirem-se na certeza de que todos são indispensáveis, sempre…
5. Qual a importância do Direito do Trabalho em um momento histórico marcado pela globalização das relações, avanços tecnológicos e redução da participação dos Estados no campo social?
R.: O mundo tem vivido sucessivas globalizações ao longo da história. Pelo menos quatro podem ser facilmente identificadas: a da antiguidade, com o domínio de Roma; a das grandes descobertas, com o Novo Mundo; a do liberalismo e da Revolução Industrial, substituindo o homem pela máquina e criando um falso sentido de igualdade; e a atual, a econômica, a globalização das transnacionais, e, por igual, da moderna tecnologia que cria um mundo extremamente desigual e disruptivo.
No presente, as bruscas e inesperadas mudanças ocorridas desde março de 2020 no mundo alteraram o modo de ver as coisas e as pessoas. A informática ingressou de forma assustadora na vida do ser humano, mas, e é importante lembrar, isso não atingiu toda a humanidade. Esta foi atingida, sem exceções, pela pandemia da Covid-19, mas a era digital ainda está muito distante de alcançar os rincões da África e mesmo o interior remoto da Amazônia brasileira.
As notícias e os estudos que se desenvolvem referem-se aos grandes centros do mundo, onde as questões mundiais são mais importantes. Lugares longínquos não importam, afinal, o que é lastimável.
Cuida-se do teletrabalho, trata-se da uberização, critica-se justificadamente a pejotização, mas esquecemos a fome, a exploração do trabalho infantil, a xenofobia, a discriminação da mulher no mundo do trabalho. E aqui só estou pontuando alguns temas relevantes.
Os Estados, a seu turno, estão a se propor um afastamento das relações sociais, retirando sua tutela, e deixando tudo a critério dos parceiros sociais, mas é preciso lembrar que os trabalhadores, embora agrupados em sindicatos (no Brasil, sofremos um verdadeiro enxame de sindicatos desde 1988), nem sempre (talvez a maioria das vezes) essas entidades sejam verdadeiramente representativas. Como negociar, franca e sinceramente, se um lado tem poder e o outro nada tem? É uma questão tormentosa, que não pode ser respondida apenas pelo achismo de cada um. Envolve perquirir questões econômicas, sociais, culturais, psicológicos e, até mesmo, ideológicas.
Penso, no entanto, que os Estados devem permanecer como o farol orientando o caminho que deve seguir a sociedade humana. Não deixar o homem abandonado (a experiência do início do século XIX não deu certo), mas protegê-lo minimamente e garantir a prevalência da sua dignidade.
6. Uma mensagem a título de conclusão.
R.: O que esperar dos anos que hão de vir? Não sei. É muito difícil fazer prognóstico. A bola de cristal do homem não o ajuda muito a fazer previsões concretas. Pode até ver embaçadamente as coisas, mas não prever afirmativamente os eventos futuros.
Tempos atrás, escrevi um texto que intitulei Ficção & realidade, com um breve cotejo das ficções da história com a realidade da história. Terminei valendo-me de uma citação do grande orador Cícero, aquele das Catilinárias.Em Como envelhecer: sabedoria antiga para a segunda metade da vida, Cícero ensina como devemos enfrentar a vida e identifica a importância da humanidade e do saber fazer para poder saber envelhecer, e nos deixa a refletir sobre tudo que estamos passando: O tempo perdido jamais retorna e ninguém conhece o futuro. Contentemo-nos com o tempo que nos é dado a viver, seja qual for!
E, prossegue: Para ser aplaudido, o ator não tem necessidade de desempenhar a peça inteira. Basta que seja bom nas cenas em que aparece. Do mesmo modo, o sábio não é obrigado a ir até o aplauso final. Uma existência, mesmo curta, é sempre suficientemente longa para que se possa viver na sabedoria e na honra. E se acaso ela se prolonga, não iremos nos queixar, como tampouco fazem os camponeses, de que após a clemência da primavera venham o verão e o outono. A primavera, em suma, representa a adolescência e a promessa de seus frutos; as outras estações são as da colheita, da seara.
É complicado refletir sobre essas coisas, mas não devemos olvidá-las jamais. E, na 6ª edição de meu Curso de Direito do Trabalho (São Paulo, LTr, 2020), escrevi: Devemos ter firme esperança de que esses percalços [refiro-me às bruscas mudanças da atualidade] serão todos superados, e o mundo do trabalho será de paz e felicidade para todos. O nosso futuro será de permanente construção de dias melhores para as gerações que hão de vir.
Devemos refletir bastante sobre os efeitos da inteligência artificial, que, ao cabo, resume todo esse porvir da humanidade real. Colhemos as palavras de Hawking, que bem demonstram essa preocupação: ‘a inteligência humana é caracterizada pela capacidade de se adaptar a mudanças. É resultado de gerações de seleção natural sobre indivíduos com capacidade para lidar com as novas circunstâncias. Não devemos, portanto, temer as transformações. Precisamos apenas fazer com que eles operem em nosso benefício’.
Tudo o que projetarmos sobre possíveis acertos ou erros para o amanhã resultam em uma grande incógnita, com a única certeza de que nada, absolutamente nada, superará a maior de todas as criações: a do próprio homem.
Chegando o Natal, e na expectativa do Ano Novo, agradeço ao prezado magistrado Dr. Oscar Krost pelo convite para participar deste Bate-Papo na Labuta, augurando a ele e a todos os que nos leem que as luzes da estrela da Natividade de Jesus se irradiem por todos os dias de 2021, com muita paz, saúde e felicidades a todos.
Belém, 09 de dezembro de 2020.
Sensacional! “Espero que, futuramente, voltemos às nossas verdadeiras origens”, nós também esperamos!
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Que bela história! Não o conhecia e não sei como são suas decisões, mas pela mensagem certamente é um Juiz a frente de seu tempo com uma mente brilhante. Muito bom mesmo. Eu destaco um parágrafo do seu texto: “Ademais, não esqueçamos que o processo do trabalho, antes simples e eficaz, perdeu suas características e os princípios que originariamente o informavam foram para fundar os juizados de pequenas causas. Hoje, o processo civil, comum, ordinário, ingressou e enraizou-se na Justiça do Trabalho e o que era simples, direto, claro, objetivo, ficou complexo, lento e demorado. Espero que, futuramente, voltemos às nossas verdadeiras origens.”
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