Oscar Krost
Final de julho, retorno das férias escolares, Copa do Mundo de Futebol Feminino.
Campeonato brasileiro de futebol da série A chegando ao fim do primeiro turno, Copa Libertadores entrando nas oitavas de final e o fim (do ano) se anunciando.
Manchetes nas redes dão conta:
“Preparador do Flamengo agrediu Pedro ao ver jogador mexendo no celular”1
“Soco em Pedro, do Flamengo: entenda em cinco pontos como foi a agressão”2
“Três tapas e um soco’: veja como ficou boca de Pedro após agressão de preparador do Flamengo”3
Tudo isso e um tanto mais em pouco mais de de 24h. A internet trata do caso como o maior acontecimento do final de semana.
O agressor emitiu uma nota pública na qual reconhece o excesso, se dizendo chateado e incapaz de voltar no tempo para desfazer o mal. Pede desculpas não só ao atleta, mas aos colegas (distinguindo um dos outros), aos trabalhadores e ao Clube de Regatas Flamengo.4
O que mais chama a atenção é a justificativa apresentada ao final do texto:
“A alta competição geralmente tem coisas que nos fazem mal. Situações de alto estresse que nos fazem reagir e pensar mal. Não pretendo situar esse contexto como uma desculpa, mas como uma explicação.”
O mundo do trabalho sendo cada vez mais do trabalho e menos do espetáculo.
Há rumores nas redes e em grupos de WhatsApp que desde a chegada do atual técnico do clube, Pedro, eleito melhor jogador da América em 2022 e convocado para a Seleção Brasileira, não faria parte dos planos por não se enquadrar em um perfil de preferência do treinador.
Nenhum problema, bastando que a diretoria da instituição tivesse ciência e os envolvidos tomassem uma decisão de comum acordo. Afinal, a despeito das paixões, a relação é contratual.
O que se viu, entretanto, segundo relatos e versões, premissas que adoto apenas para debater o caso em tese, foi o técnico não escalar o atleta para as partidas, o deixando no banco e o criticando publicamente. Hostilidade, pequenas violências e mal-estar. Iniciou um tratamento chamado no futebol de “fritura”. No meio trabalhista, a situação caracteriza a prática de assédio moral, pela prática de sucessivas ações visando fazer o trabalhador se demitir como medida extrema.
Pedro chegou a denunciar no “tribunal da internet” que estaria passando por “covardia psicológica”.5E não se diga que por contar com vencimentos milionários, profissionais do esporte devem se submeter a tudo. Definitivamente, não. São heróis, ídolos e novos ricos. Porém, acima de tudo, seres humanos e, nesta condição, dotados de dignidade e merecedores de respeito.
Questão polêmica, complexa e, pelos holofotes virtuais e envolvimento de milhões de consumidores-torcedores da nação rubro-negra, de enfrentamento inevitável. Mas não para por aí.
Como não poderia deixar de ser, a “banalização do mal” e a normalização do absurdo trazem novos dados: o preparador físico não pode ser punido pelo clube, embora trabalhe com pessoalidade, não-eventualidade, a título oneroso, subordinado (sob dependência) e em atividade-fim da instituição por um único motivo: não é empregado. Isso mesmo, temos uma instituição desportiva profissional cujo orçamento anual beira R$1.000.000.0006 e um dos profissionais mais importantes, ligado à atividade-fim é…”terceirizado”!!!7
A história iniciada como uma narrativa de ação e violência, ganha contornos de drama, documentário e suspense.
Sob qualquer prisma que se analise a trama envolvendo o atleta Pedro, inclusive minimizando-a como buscou fazer o técnico, que preferiu se dizer “triste quando dois colegas brigam” e que o “objetivo é colocar o Flamengo no topo”,8 fato é que as coisas vão mal, cada dia piores, nos exigindo uma tomada de consciência, um amplo debate e a uma decisão sobre o que queremos diante do que temos em termos de sociedade.
Questão urgente.
Se algo não for feito, pode ser que o ocorrido marque apenas o fim do primeiro tempo de uma disputa nada saudável e sem vencedores. Algo a se pensar e resolver para ontem, antes da próxima rodada do campeonato marcada para poucos dias.
1 <https://www.metropoles.com/brasil/preparador-do-flamengo-agrediu-pedro-ao-ver-jogador-mexendo-no-celular>. Acesso em: 31 jul. 2023
2 <https://www.lance.com.br/flamengo/soco-em-pedro-do-flamengo-entenda-em-cinco-pontos-como-foi-a-agressao.html>. Acesso em: 31 jul. 2023.
3 <https://www.espn.com.br/futebol/flamengo/artigo/_/id/12375919/tres-tapas-um-soco-veja-como-ficou-boca-pedro-agressao-cometida-preparador-flamengo>. Acesso em: 31 jul. 2023.
4 <https://www.otempo.com.br/sports/futebol/preparador-fisico-pede-desculpas-a-pedro-e-flamengo-veja-nota-na-integra-1.3096114>. Acesso em 31 jul. 2023.
5 <https://www.msn.com/pt-br/esportes/other/soco-na-boca-delegacia-e-covardia-psicol%C3%B3gica-entenda-a-agress%C3%A3o-sofrida-por-pedro-pelo-preparador-do-flamengo/ar-AA1ey5p8>. Acesso em: 31 jul. 2023.
6 <https://www.espn.com.br/futebol/flamengo/artigo/_/id/11771131/flamengo-oficializa-orcamento-de-rs-1-bilhao-com-mais-dinheiro-de-tv-e-menos-vendas-e-premios-do-que-em-2022>. Acesso em: 31 jul. 2023.
7<https://leiemcampo.com.br/caso-pedro-entenda-desdobramentos-trabalhistas/>. Acesso em: 31 jul. 2023.
8 <https://www.uol.com.br/esporte/futebol/ultimas-noticias/2023/07/30/sampaoli-sobre-agressao-de-preparador-a-pedro-doi-quando-colegas-brigam.htm>. Acesso em: 31 jul. 2023.

Um episódio absurdo, lamentável e sem precedentes. Problema de indisciplina se resolve com medida disciplinar, não com truculência e violência. O que passa na cabeça de um ser humano para agir de tal forma? Supostamente o agressor se sentiu desrespeitado e então resolveu não só desrespeitar, mas agredir fisicamente aquele que lhe ofendeu. Reflexos desses triste tempo em que a lei de talião e a autotutela andam não só na moda, mas também sendo estimuladas por alguns.
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Que absurdo! Daqui a pouco volta a chibata.
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