LUDOPATIA NÃO É PIADA

Oscar Krost – Juiz do Trabalho (TRT12)

  

É PRECISO AGIR


Primeiro levaram os negros

Mas não me importei com isso

Eu não era negro


Em seguida levaram alguns operários

Mas não me importei com isso

Eu também não era operário


Depois prenderam os miseráveis

Mas não me importei com isso

Porque eu não sou miserável


Depois agarraram uns desempregados

Mas como tenho meu emprego

Também não me importei


Agora estão me levando

Mas já é tarde.

Como eu não me importei com ninguém

Ninguém se importa comigo.

 

Bertold Brecht (1898-1956)



Superada uma pandemia letal e às portas de uma guerra planetária, há tanto a perder que muitos e muitas se entregam à desesperança. Em um presente nebuloso, pensar em futuro soa jocoso.


E de tanto fazer graça com a desgraça, que a rede mundial de computadores se transformou em um looping de perdas de oportunidades e conexões, sustentando um universo paralelo da mais pura desconexão.


Habitat natural de fake news surreais adubadas pelo irrisório letramento em temas essenciais – não confundir letramento com escolaridade, pois “diploma não encurta as orelhas de ninguém”, dizia meu avô em sua sabedoria de quem completou a primeira etapa do ensino fundamental  – nos deparamos com desumanidades, dessensibilizações e crueldades de toda sorte, ou azar, com o perdão do trocadilho.[1]

Rir é um ato de resistência de quem pretende sobreviver em um mundo duro como o nosso. Não há dúvida alguma.


Mas rir não impede a reflexão, tampouco a sensibilidade e a humanidade. Pelo contrário.

Embora memes e figurinhas, símbolos da racionalidade virtual de 2025, sejam flashes de segundos, as piadas, charges e ironias compõem uma vasta teia de instigações ao pensar e ao sentir que duram um tanto mais.

Mexem com a visão de mundo e com a racionalidade de quem as acessa, não só fazendo rir, mas também chorar. E, para isso, não é preciso humilhar, ofender e apatifar quem quer que seja no palco que for: do teatro, do YouTube ou do WhatsApp.


Doenças psíquicas não são “frescura”, “mi-mi-mi” ou dissimulação. Nem mesmo vitimismo ou coisa de “gente desocupada”.


Vícios, compulsões e distúrbios mentais são males invisíveis a olhos desatentos, mas um insidioso problema que, se não for tratado, potencializa sua nocividade a um nível letal. Raciocínio que se aplica a excessos de compras, procedimentos estéticos e, para surpresa de alguns, jogatina.

Famílias desfeitas, carreiras dilaceradas, insolvência não só financeira. Nada escapa à corrosão causada pelo vício e pela compulsão.


Segundo matéria de Intercept Brasil, o número de benefícios auxílio-doença concedidos pelo INSS pelo acometimento de ludopatia (vício/compulsão em apostas), aumentou 20 vezes de 2023 para 2024. As faixas-etárias mais afetadas são jovens, de 18-29 anos (33%), e adultos, de 30-39 anos (44%), pessoas familiarizadas com a tecnologia, mas não necessariamente com vivência suficiente para compreender os riscos de suas escolhas.[2]


Os números que assustam também geram “trolagens” e “lacrações”. Números tímidos diante da magnitude do adoecimento generalizado, subnotificado pelo desconhecimento quase absoluto sobre o tema e relativizado pela propaganda onipresente, agressiva e sem limites feita pelas casas de apostas.


“Pão e pães, questão de opiniães”, escreveu Guimarães Rosa. E entre um e outro, estudo, debate e respeito.


Diferenciar o ato de vontade privada da doença incapacitante e ambas da falta contratual – possibilidades concretas da empregada ou do empregado que aposta – mais do que um desafio trabalhista, constitui um compromisso imprescindível de PESSOAS E INSTITUIÇÕES com a empatia e a civilidade, atributos raros em um tempo permeado por amenidades.[3]

É PRECISO AGIR, para que não seja tarde demais para se importar com alguém: o outro ou nós mesmos.


[1] Sobre a ideia de letramento aplicado às redes sociais, ver <https://direitodotrabalhocritico.com/2024/09/23/autocuidado-letramento-e-etica-elementos-fundamentais-a-protecao-digital/>.

[2] VECHIOLI, Demétrio; AMORIM, Francisco. Do tigrinho ao INSS: bets fazem auxílios-doença por vício em jogos dispararem no Brasil., disponível em <https://www.intercept.com.br/2025/06/25/bets-auxilios-doenca-vicio-em-jogos-brasil/.>. Acesso em: 28 jun. 2025.

[3] Ver <https://direitodotrabalhocritico.com/2025/01/11/apostas-online-e-direito-do-trabalho-autonomia-da-vontade-justa-causa-ou-patologia-incapacitante/> e MATOS, Larissa; KROST, Oscar. Impactos de apostas online no Direito do Trabalho. Leme/SP: Editora Mizuno, 2025.

Publicado por okrost

Alguem em eterna busca.

Um comentário em “LUDOPATIA NÃO É PIADA

  1. Por interesses escusos e nebulosos, o congresso autorizou a entrada desse vírus na nossa sociedade, que está ceifando vidas, dilacerando relacionamentos e destruindo pessoas. De fato, a ludopatia não tem graça. Conheço uma família destruída por esse vício silencioso e muitas vezes invisível. Me pergunto quais serão as políticas públicas que deverão ser criadas para combater o impacto desse problema social que foi criado.

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