DIREITO DO TRABALHO QUÂNTICO: CONTRIBUIÇÕES DE CARLO ROVELLI AO BRASIL DE 2022 *

Oscar Krost

Navegando pelo YouTube, me deparo com o título: “O tempo não existe: a visão de Carlo Rovelli, considerado o novo Stephen Hawking“.1 Sensacionalismo ou propaganda enganosa? Nem um, nem outro. A procedência parecia segura: BBC News.

A duração de 15min do vídeo era nada diante do arrojo da tese. Assisti algumas vezes até que, desafiado, acabei adquirindo um dos títulos assinados pelo autor: “A ordem do tempo”.2

Nela, Rovelli demonstra como múltiplos saberes não passam de um só saber. Conhecimento retroalimenta conhecimento e, conforme as coisas acontecem, menos importância tem a divisão em áreas ou campos.

Filosofia, poesia e física combinam, se fundindo como verdades temporárias e válidas em dados momento e lugar. Evidência irrefutável que nos ensina como “coisas consideradas óbvias eram preconceitos.”3

A ideia de relatividade, explicada em termos acessíveis:

Não existe um valor verdadeiro: há duas moedas que têm valores uma em relação à outra.” Do mesmo modo, “não existe um tempo mais real. Há dois tempos marcados por relógios reais e diferentes, que mudam um em relação ao outro. Nenhum dos dois é mais verdadeiro que o outro.4

Paradoxo: a um só tempo, temas complexos, descomplicados. Dogmas sendo desconstruídos com paciência e argumentos em um processo dialético de esvaziamento do protagonismo do tempo.

Mas o que estas explicações agregam aos debates sobre o Direito do Trabalho no Brasil de 2022?

Absolutamente tudo quando nos deparamos com notícias requentadas e requintadas de propostas dos Poderes Executivo e Legislativo Federais para gerar postos de trabalho e combater o desemprego, sempre partindo do afrouxamento de garantias sociais.5

Que tipo empregos pretende-se criar?

Postos temporários, fragilizados e baratos podem ser considerados solução ou fomento ao desemprego?

A ausência de lei em sentido formal não seria apenas um modo de repristinar a lei do mais forte, conhecida por “manda quem pode e obedece quem precisa”?

Para nosso Físico o tempo existe, embora não seja mensurável ou importante em termos gerais e como o imaginamos. As experiências brasileiras sobre desregulamentação laboral e atividade econômica dizem o mesmo: não há e jamais haverá desenvolvimento como consequência da redução dos ganhos do trabalho seja em tempo passado, presente ou futuro.

Não importam o século, a tecnologia ou o léxico. No sistema capitalista, menos salários e direitos corresponde a menos consumo e circulação de moeda.

Sobem: juros, inadimplência e endividamento.

Descem: consumo, atividade produtiva e confiança.

Basta de falácias e versões. Faz-se premente assimilar de uma vez por todas que “os eventos do mundo não se organizam em fila como os ingleses. Eles se amontoam em caos como os italianos”, de modo que “a melhor gramática para pensar o mundo é a da mudança“.6

Mudança, no campo das relações trabalhistas do Brasil atual, atende pelo nome de “voltar a encarar os fatos com seriedade, maturidade e critério“. Nada de novo na ideia de que “cada olhar que lançamos sobre o mundo provém sempre de uma perspectiva particular“.7

A “virada de chave” está em assumir que se errar faz parte do jogo, repetir reiteradamente os mesmos erros evidencia não serem erros, ao menos não a quem os comete, mas consequências desejadas de determinadas convicções, ainda que não assumidas abertamente.

Ao que tudo indica, como defendido por Rovelli, na atual quadra da história juslaboral brasileira, não há mais tempo…

* Texto originalmente publicado em <http://conversandocomoprofessor.com.br/2022/05/15/direito-do-trabalho-quantico-contribuicoes-de-carlo-rovelli-ao-brasil-de-2022/>, em homenagem à memória do Professor César Luis Pasold, criador do blog http://www.conversandocomoprofessor.com.br.

1Vídeo disponível em <https://youtu.be/M3xT8azucew>. Acesso em: 15 mai. 2022.

2 ROVELLI, Carlo. A ordem do tempo. Tradução Silvana Cobucci. Rio de Janeiro: Objetiva, 2018.

3Ob. cit., p. 18.

4Ob. cit., p. 21.

5 Conforme noticiado em <https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2022/05/11/trabalho-civil-voluntario-camara.htm> e <https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2022/05/governo-bolsonaro-elabora-proposta-para-diminuir-fgts-de-todos-os-trabalhadores.shtml?utm_source=whatsapp&utm_medium=social&utm_campaign=compwa>. Acesso em: 15 mai. 2022.

6 Ob. cit. p. 80.

7 Ob. cit. p. 120.

Publicado por okrost

Alguem em eterna busca.

Um comentário em “DIREITO DO TRABALHO QUÂNTICO: CONTRIBUIÇÕES DE CARLO ROVELLI AO BRASIL DE 2022 *

  1. Se até o tempo é relativo, por que nossos direitos não seriam? Trabalhadores são relativos, o lucro é certo e permanente, nesse sistema capitalista que é tão inventado quanto o tempo linear e a história (geralmente prevalecendo a versão de quem “ganhou” a guerra que, no “fim”, todos perderam, quando se “vê” de uma perspectiva ampla). No Brasil, não só atual, “sem tempo irmão”, gíria popular da internet, traduz a vida atual, que se arrasta desde o “descobrimento”: não temos tempo para ações afirmativas, para ouvir o outro, para proteger direito, para melhorar a condição social, pois estamos ocupados demais trabalhando exaustivamente para tentar (nem sempre se consegue) sobreviver…

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