Rafael da Silva Marques – Juiz do Trabalho (TRT4) e Membro da AJD (Associação Juízes para a democracia)
Este pequeno texto tem por objetivo tratar da lei geral de proteção de dados, em especial frente a demandas por parte de trabalhadores e/ou empresas, em processos judiciais, e que tenham por objetivo seja apresentado dado, sensível ou não, de alguma delas quando da instrução do feito, a saber como forma de fazer a prova.
Antes de adentrar no tema importante trazer à discussão a questão dos direitos de personalidade e fundamentais.
É sabido que há diferença entre direitos de personalidade, ou seja, aqueles irrenunciáveis e ligados à identidade e ao fato de ser humano; e os direitos fundamentais, elencados na Constituição federal e relacionados aos direitos humanos e à dignidade humana.
Com o advento da LGPD, o que se discute é se direitos fundamentais típicos (livre iniciativa, livre concorrência e defesa do consumidor), artigo 2º, VI, da lei, por exemplo, foram lançados à condição de direitos de personalidade.
Pelo que está exposto no artigo primeiro da lei 13.709/18 me parece que passaram eles a ter o mesmo status. Isso porque o objetivo da LGPD é de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural, classificando todos estes direitos, quer fundamentais, quer de personalidade, da mesma forma, para a proteção da pessoa em si, preservando dados atinentes a direitos fundamentais e de personalidade sem qualquer distinção.
Isso significa que para fins de proteção de dados não há distinção entre direitos fundamentais e de personalidade o que permite, no primeiro caso por exemplo, em caso de violação, a condenação do infrator em indenização moral, medida esta apenas cabível, fora do ambiente da LGPD, em casos de violação a direito de personalidade.
Dito isso passo à análise da questão objeto do texto, apresentação de dados, sensíveis ou não, em processos judiciais, sem a concordância da parte contra quem se pede.
É importante destacar que, conforme artigo 5º, I e II, da LGPD, dado pessoal é qualquer “informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável”, e dado pessoal sensível é o “dado pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural”.
Quanto aos dados pessoais, conforme artigo 7º da LGPD, basta consentimento ou, na falta, entre outras hipóteses, podem ser usados “para o exercício regular de direitos em processo judicial, administrativo ou arbitral”.
Já no que pertine aos dados pessoais sensíveis a situação muda um pouco. Nestes casos, por força do que consta no artigo 11, I, da lei, o consentimento deve ser específico, dado pelo titular do direito. Sem o consentimento, artigo 11, II, da lei, os dados sensíveis apenas serão apresentados quando forem indispensáveis, e, para “exercício regular de direitos, inclusive em contrato e em processo judicial, administrativo e arbitral”, conforme letra “d” do mesmo inciso e artigo.
Isso quer dizer que em havendo recusa do titular do direito, em se tratando de dados pessoais sensíveis, apenas e tão somente nos casos em que for indispensável para a instrução e prova no processo judicial é que poderá o juiz determinar a apresentação informações atinentes à saúde, religião, opinião política, vida sexual entre outros. E, ainda que indispensáveis, em havendo outra forma de se fazer a prova, poderá a parte invocar a proteção da LGPD para que seus dados sejam preservados.
Mas e no caso dos dados pessoais?
Ainda assim, em não consentindo o titular do direito, em sendo necessários os dados pessoais para o exercício de um direito em processo judicial, apenas seria possível a apresentação do dado no caso de não haver como produzir a prova de outra forma. Note-se que não se exige seja ele indispensável como no caso dos dados sensíveis, sendo necessária seja a única forma de produzir a prova para fins judiciais. Exemplo disso é o pedido de apresentação dos dados de cartão de crédito da parte a fim de provar compras em horários que o trabalhador alega ter trabalhado. Há outras formas de se fazer esta prova como por exemplo testemunhal.
Entender de forma diversa é dar intepretação ampla onde a lei não autoriza.
Assim, concluo este texto da seguinte forma: apenas em sendo indispensável e não havendo outro meio de prova é que pode o magistrado determinar, contra a vontade do titular, a apresentação de seus dados sensíveis. No que diz respeito aos dados pessoais a situação é parecida, a saber, em caso em que, negando o titular a possibilidade de apresentação do dado, apenas quando não há outra forma de se fazer a prova é que é possível seja ela determinada. Em havendo, portanto, em ambos os casos, outra forma de se provar, os dados pessoais sensíveis ou não do titular permanecem protegidos por força da LGPD.