REDES SOCIAIS E DIREITO DO TRABALHO: ENTRE O CANCELAMENTO E OS TRENDING TOPICS

Oscar Krost

O recente caso noticiado na mídia sobre postagem feita no tiktok por uma demandante em ação trabalhista em companhia de ex-colegas convidadas para depor como testemunhas reacendeu um antigo debate. Atenta às manifestações da ex-empregada na internet, a empresa se deparou com um vídeo em que aquela afirmava se dirigir à Justiça do Trabalho com as “amigas para processar a empresa tóxica“.

A prova do fato foi juntada aos autos, invalidando os depoimentos. No entendimento da Desembargadora Silvia Almeida Prado Andreoni, Relatora do acórdão:
Trata-se de uma atitude jocosa e desnecessária contra a empresa e, ainda, contra a própria Justiça do Trabalho. Demonstra, ainda, que estavam em sintonia sobre o que queriam obter, em clara demonstração de aliança, agindo de forma temerária no processo, estando devidamente configurada a má-fé”.1

Embora o precedente diga respeito a redes sociais e Direito Processual do Trabalho, dia a dia, pela intensificação da conectividade, situações similares vem exigido cada vez mais respostas do Direito Material do Trabalho. Poucas vezes a “leitura” dos fatos sociais atenta às mudanças culturais e tecnológicas características da atualidade.

Limites e parâmetros ao agir dos contratantes em todas as etapas da relação de emprego – pré, contratual e pós – são questionados perante a Justiça Laboral, sem qualquer sinal de formação de jurisprudência, sequer em âmbito regional. A dissonância entre o ser e o dever ser se justifica, em parte, pelo antagonismo de ritmos e de tempos da internet em comparação aos do devido processo legal.

Para Rui Portanova, os julgamentos realizados pelo Poder Judiciário, de modo implícito ou explícito, em maior ou menor medida, no tocante a razões de decidir, fundamentação e convencimento, podem ser entendidos e examinados sob o recorte de classe, raça e gênero.2 No Direito do Trabalho, ramo jurídico forjado pela e em meio à luta de classes, tais prismas ficam ainda mais evidentes.

Contudo, um quarto viés costuma passar despercebido, sendo atinente à comunicação virtual em redes sociais e dotado de central importância: a projeção etária-geracional. Para além do fato em si, a exemplo de postagens, interações ou recusas de participar do mundo “.com”, os “porquês” do agir são fruto da imagem formada pelas lentes subjetivas e personalíssimas de cada indivíduo em sua singularidade, matéria-prima dos dados sensíveis, conforme rol não exaustivo do art. 5º, inciso II, da LGPD.3

As revoluções industriais, tecnológicas, científicas e informacionais há muito ocupam pesquisas e debates na academia, o mesmo não ocorrendo com as diferentes percepções tidas pelos sujeitos subordinados em relação a elas. Uma nova ferramenta virtual é recebida, entendida e utilizada de maneiras muito diversas por alguém com 20, 40 e 60 anos de idade, independente da escolaridade ou do grau de instrução, embora jurídica e judicialmente as respostas dadas às demandas tendam a ser apresentadas sem esta atenção.

Não podemos examinar a questão apenas sob o eixo etário, tampouco meramente geracional, devendo relacioná-los, considerando a expectativa natural quanto aos comportamentos passíveis de agravamento ou de atenuação. Funcionam como presunções relativas, cujo afastamento dependerá de apurado exame dos elementos no caso concreto.

Neste sentido, o magistério de Denise Pires Fincato, Guilherme Wünsch e Pedro Guilherme Beier Schneider:

A análise dos grupos geracionais permite concluir por uma mudança na forma como o trabalhador encara o fenômeno do trabalho e quais são as características de cada um. Os padrões acima apresentados delineiam inúmeras diferenças entre os integrantes de cada geração, mas também demonstram algumas semelhanças (…) o tempo, neste caso, não deve ser compreendido como o cronológico. Pelo menos não inteira e unicamente.”4

Assim, a interação nas redes, o tempo da comunicação e a ideia de privacidade, inegavelmente, variam de alguém nascido na Era do USB, wi-fi e terabite, para outro alguém que apenas na fase adulta se deparou com ferramentas e linguagens digitais, em contexto diametralmente diverso. Entender que amb@s externam descontentamentos, tecem elogios ou se relacionam com colegas de forma igual, inevitavelmente, conduz à quebra de um padrão razoável de isonomia, ao dispensar tratamento idêntico a pessoas substancialmente diferentes.

Não se defende a isenção de responsabilidade de jovens por atos virtuais, ainda que sujeitos profissionais ou em busca de colocação no mercado de trabalho, mas uma interpretação em perspectiva, contexto e equidistância.

Propõe-se contextualizar os fatos, preservar os Direitos Fundamentais à intimidade e à privacidade, proteger os dados pessoais e, acima de tudo, dentro de um sentido substancial de valor social do trabalho e da livre iniciativa, educar. Enfatizam-se o fundamento protetivo do Direito do Trabalho, emanado de seus Princípios, e os propósitos constitucionais, como etapas de um projeto societário fraterno, pluralista e sem preconceitos, na conjugação consagrada no preâmbulo da Constituição da República.

Afinal, redes sociais são naturais para adolescentes e adultos jovens, fazendo parte de suas vidas desde sempre. Para os “menos jovens”, “jovens há mais tempo” ou “mais experientes” liames mediados pela tecnologia se apresentam como opções por vezes indesejáveis e impostas.

Ocorre que @s Profissionais do Direito do Trabalho em atividade, via de regra, fazem parte de “gerações analógicas”, cujo contato com novas ferramentas informáticas se deu paulatinamente e em paralelo a saberes prévios, e respondem pelo julgamento do agir em redes dos integrantes das “gerações digitais”. Admite-se que Advogad@s, Juízas, Juízes e Membros do Ministério Público possam manter contato com pessoas mais jovens, contemporâneas aos jurisdicionados, o que não lhes confere “fluência” no dialeto “www”, quando muito certo conhecimento de causa, coisa bastante diversa.

Há um sem número de perguntas clamando por respostas dos juslaboralistas, desde o grau de acesso à privacidade virtual de candidat@s a uma vaga de emprego pelo recrutador (fase pré-contratual), passando pelos limites do Poder Diretivo e do Direito de Resistência quanto ao uso de perfis pessoais para promover produtos/serviços do empregador (etapa contratual), chegando a manifestações públicas sobre a relação de emprego, causa da dispensa e responsáveis pelo ato (momento pós-contratual). Tais hipóteses são reais e foram obtidas em notícias e precedentes amplamente veiculados na web.

Norteando o enfrentamento de tal desafio, inspiradoras as reflexões do Ministro Eros Grau sobre a construção normativa:

A norma é produzida, pelo intérprete, não apenas a partir de elementos que se desprendem do texto (mundo do dever-ser), mas também a partir de elementos do caso ao qual será ela aplicada, isto é, a partir de elementos da realidade (mundo do ser)“.5

Alea jacta est“, citariam uns; #ficaadica, marcariam outros: entre eles, com a palavra, o Direito do Trabalho…

1 BRASIL, Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região/SP, Provas testemunhais anuladas pela Justiça do Trabalho após vídeo no tik tok, 14.07 2022, disponível em <https://ww2.trt2.jus.br/noticias/noticias/noticia/provas-testemunhais-sao-anuladas-pela-justica-do-trabalho-apos-video-no-tik-tok&gt;. Acesso em: 10 ago. 2022

2 PORTANOVA, Rui. Motivações ideológicas da sentença. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.

3 Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD – Lei nº 13.709/18), art. 5º, inciso II:

Art. 5º Para os fins desta Lei, considera-se:

(…)

II – dado pessoal sensível: dado pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural;

Íntegra da norma disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm&gt;. Acesso em: 11 ago. 2022.

4 FINCATO, Denise Pires; WÜNSCH, Guilherme; SCHNEIDER, PEDRO Guilherme Beier. O Direito e as metamorfoses do trabalho: desafios e perspectivas de direito do trabalho em um cenário de transformações. Londrina: Thoth Editora, 2021, p. 32.

5 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 22.

Publicado por okrost

Alguem em eterna busca.

Um comentário em “REDES SOCIAIS E DIREITO DO TRABALHO: ENTRE O CANCELAMENTO E OS TRENDING TOPICS

  1. Excelente artigo! Concordo que a interpretação que temos em relação a postagens na internet é diferente e está diretamente ligada à idade. Vejo com bons olhos a evolução das audiências feitas por videoconferência. Confesso que, de início, estava muito receoso quanto à boa-fé no uso da ferramenta. A prática mostrou que é um meio facilitador de acesso ao Poder Judiciário. Entendo, neste caso da modificação do sentido da sentença, que o fato de se declararem amigas deveria ser analisado a partir da ótica da boa-fé. Será que seus depoimentos faltaram com a verdade? Muito mais importante do que saber se são ou não amigas é buscar a verdade no processo. Fundamental que as partes ajam sempre de boa-fé. Mas, houve má-fé?!

    Curtir

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

%d blogueiros gostam disto: