O DEVER DE MOTIVAÇÃO DA DESPEDIDA POR INICIATIVA DO EMPREGADOR À LUZ DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA

Carolina Prates Carrasco

Com o advento da CLT em 1943, foi consagrada a estabilidade decenal aos empregados de forma geral. Posteriormente, em 1966, foi instituído o sistema do FGTS por meio da Lei nº 5.107, como alternativa à estabilidade decenal. Assim, foi instituído um sistema híbrido, em que o empregado passou a poder escolher entre adquirir a estabilidade no emprego após dez anos de serviço ou aderir ao sistema do fundo de garantia. No entanto, alguns autores criticam a introdução dessa “opção”, argumentando que, na prática das contratações, a escolha pelo regime do FGTS passou a ser requisito de admissão no emprego1.

Finalmente, em 1988, com a promulgação da Constituição Cidadã, a estabilidade decenal caiu em desuso, sendo considerada revogada para a doutrina majoritária. Para a maioria dos autores, o legislador constituinte optou pelo sistema da indenização compensatória sobre o saldo do FGTS, a teor do art. 7º, inciso I da CF, cumulado com o art. 10, I do ADCT. No entanto, o regime do FGTS não constitui mecanismo efetivo de proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, desempenhando apenas o papel de minimizar a situação de desamparo do trabalhador enquanto busca um novo emprego.

Com efeito, em 1988, a Constituição passou a prever, em seu artigo 7º, inciso I, enquanto direito dos trabalhadores, a “relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos”. Assim, o legislador constituinte condicionou a proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa à edição de lei complementar. Contudo, a referida lei complementar jamais foi editada, suscitando debates doutrinários quanto à interpretação do referido dispositivo.

Para a maior parte da doutrina, a Constituição de 1988 revogou a antiga estabilidade decenal prevista no art. 492 da CLT, e, além disso, consagrou exclusivamente a indenização compensatória de 40% sobre o FGTS disposta no art. 10, I do ADCT como mecanismo de proteção ao emprego, haja vista que o valor visa a inibir as dispensas.

Por outro lado, alguns doutrinadores entendem que, ainda que a Carta Constitucional não tenha consagrado a “estabilidade absoluta”, como a antiga estabilidade decenal ou a estabilidade estatutária, ela estipulou uma vedação à dispensa arbitrária. Como despedida arbitrária ou sem justa causa se entende a denúncia contratual vazia, imotivada. Na linha do disposto no caput do art. 165 da CLT, trata-se da dispensa não fundada em justificativa disciplinar – a exemplo das faltas do art. 482 da CLT, ensejadoras de dispensa por justa causa – ou em justificativa técnica, econômica ou financeira – alheias ao comportamento do empregado, mas decorrentes de necessidades da atividade empresarial, como dispensas decorrentes de crise econômica.

Com efeito, em que pese se trate de uma discussão antiga, diante dos altos índices de desemprego e de rotatividade da mão de obra presentes no Brasil, e agravados pela pandemia de Covid-19, o debate acerca da proteção da manutenção do emprego mantém a sua relevância. É claro que tais indicadores socioeconômicos não se atribuem exclusivamente ao Direito do Trabalho, no entanto, uma maior ou menor rigidez na proteção juslaboral ao emprego pode influenciar essas estatísticas.

Nesse sentido, um cenário como o brasileiro, de grande flexibilidade à despedida praticada pelo empregador, somada a taxas elevadas de desemprego, agrava a situação de vulnerabilidade do empregado perante o poder patronal, tornando a relação de trabalho ainda mais assimétrica. Nesse contexto, o trabalhador sabe que poderá ser facilmente substituído e que, por outro lado, caso dispensado, terá dificuldade em conseguir outro emprego. Portanto, esse empregado não poderá exigir, efetivamente, o cumprimento da legislação laboral pelo empregador, diante do medo de ser despedido.

Dessa forma, a ampla aceitação à despedida imotivada por iniciativa do empregador, tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência, impede a concretização dos demais direitos fundamentais juslaborais. Um exemplo é o prejuízo ao direito de ação do trabalhador, com a prescrição da ação trabalhista no curso da relação de emprego, consoante o art. 7º, XXIX da CF, ao passo em que, na prática, o empregado dificilmente ajuizará ação durante o curso do contrato de trabalho, sabendo que poderá ser despedido, sem motivo válido, em retaliação. Contudo, em razão da previsão legal de prescrição durante o curso da relação de emprego, ele só poderá receber as verbas correspondentes aos últimos cinco anos do pacto laboral, ocorrendo, portanto, uma renúncia a créditos alimentares2.

Outrossim, os contratos de emprego apresentam como características o trato sucessivo, o prazo indeterminado, o elemento da pessoalidade, e, ainda, envolvem uma multiplicidade de direitos e deveres. Em razão disso, nos vínculos trabalhistas, o princípio da boa-fé objetiva apresenta uma vasta atuação.

Nessa linha, a cláusula geral da boa-fé objetiva, que ganhou destaque no ordenamento jurídico brasileiro com o Código Civil de 2002, mas que já vinha sendo desenvolvida pela doutrina nacional, define um standard ou padrão de conduta às partes do vínculo contratual, mesmo nas fases que o antecedem ou sucedem. Ela já é amplamente utilizada no Direito do Trabalho, haja vista a aplicação subsidiária do direito comum ao microssistema juslaborativo, a teor dos arts. 8º, §1º e art. 769 da CLT.

A boa-fé objetiva pode desempenhar diferentes funções no vínculo contratual, entre elas, a função geradora de deveres anexos ou instrumentais, destinados a assegurar o perfeito cumprimento das obrigações contratuais, isto é, o adimplemento satisfatório. É desta função que decorrem os deveres de respeito, lealdade, colaboração ou cooperação e honestidade, exigidos na conduta dos figurantes dos negócios jurídicos. Entre estes deveres anexos, está o dever de informar, já empregado no ramo juslaboral, especialmente na fase pré-contratual, pois, nesse momento, as partes devem obter todas as informações necessárias à formação do seu convencimento e da sua livre vontade acerca da decisão de contratar ou não.

Não obstante, o dever de informar também é aplicado, em algumas situações, no momento de cessação do contrato de trabalho, traduzido enquanto dever de motivação, para impor limites ao direito potestativo do empregador de despedir. São exemplos disso as hipóteses de garantia no emprego, como dos titulares da representação dos empregados na CIPA, previsto no art. 165 da CLT, e de dispensa discriminatória, previstas na Lei nº 9.029/95, as quais vêm sendo ampliadas por construção jurisprudencial. Em tais hipóteses, o empregador deverá comprovar a motivação legítima para o ato de resilição contratual. Segundo Oscar Krost3, a exigência de motivação para a denúncia do contrato também poderia se estender a casos de acidentes de trabalho durante contratos por prazo determinado, como contratos de experiência, a fim de evitar práticas discriminatórias.

Essa lógica deriva, para além da proteção individual ao trabalhador, da necessidade de observância a um padrão ético: o empregador não pode se valer do instituto da despedida para prática discriminatória contra o empregado, ou para dispensá-lo em período de enfermidade ou incapacidade temporária. A despedida deve ocorrer em consonância à boa-fé objetiva, ou seja, não pode conter motivação fraudulenta ou finalidade escusa.

Tal raciocínio encontra ressonância também no âmbito do Direito Internacional do Trabalho, através da Convenção nº 158 da OIT, que reconhece o princípio da justificação social da despedida, e não a estabilidade absoluta. Apesar de diversos países, com diferentes níveis de desenvolvimento, aplicarem a Convenção, no Brasil o seu processo de incorporação foi extremamente conturbado e ela não é aplicada atualmente às relações trabalhistas no país.

A boa-fé privilegia a estabilidade ou a segurança das relações jurídicas, gerando uma previsibilidade de condutas. Assim, as despedidas que contenham motivos torpes devem ser consideradas abusivas, por exemplo, em razão da idade do trabalhador, ou para substituição de empregado antigo, com o objetivo de manter baixos salários. Portanto, tais resilições contratuais violam o princípio da boa-fé objetiva, destoando do padrão de conduta ético e probo exigido das partes, que devem agir de forma transparente, leal e colaborativa. E a forma de verificação da real causa da dispensa passa pela exigência de que o empregador exponha a sua motivação para o ato, inclusive para fins de controle judicial4.

Aos interessados, meu TCC completo acerca do tema se encontra disponível em : https://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/251950.

1 CAMINO, Carmen. Direito Individual do Trabalho. 4. ed. Porto Alegre: Síntese, 2004, p. 519.

2 Sobre o tema, ver: https://direitodotrabalhocritico.com/2022/12/13/prescricao-quinquenal-e-garantia-no-emprego-contra-dispensa-arbitraria-ou-sem-justa-causa-as-duas-faces-da-mesma-moeda/

3 KROST, Oscar. O princípio da boa-fé objetiva como balizador de condutas na relação de emprego. In: OLIVEIRA, Cínthia Machado de; DORNELES, Leandro do Amaral Dorneles de (org.). Temas de direito e processo do trabalho: vol. II – Teoria geral do direito trabalho: estudos em homenagem a Carmen Camino. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2013. p. 251-267, p. 262.

4 SEVERO, Valdete Souto. O dever de motivação da despedida na ordem jurídico-constitucional brasileira. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 116.

* imagem: série trabalhadores, Sílvio Reinaldo De Melo

Publicado por okrost

Alguem em eterna busca.

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