Oscar Krost
O dia amanheceu mais cinza no Vale.
Para além do outono e das nuvens que anunciam chuva e frio, o entorno do Rio Itajaí-Açú, em Santa Catarina, sul do Brasil, não despertou nas primeiras horas deste 06 de abril de 2023.
O pesadelo foi real e seus desdobramentos, para além das mídias e das manchetes, povoaram sem piedade o plano virtual com falsas mensagens, pseudo descobertas e um sem número de mentiras.
Massacres vitimam os corpos diretamente violados, mas também toda a vida em seu entorno. Familiares, amigos, vizinhos. Ninguém que integre a espécie humana sai ileso. Não há saída, tampouco proteção.
Há pouco, quase sem crer, nos proclamávamos sobreviventes de uma pandemia viral. Crianças, adolescentes e idosos foram os maiores prejudicados por ocuparem os extremos da linha da vida, possuindo suscetibilidades maiores, padecendo de forma mais grave e até silenciosa do que adultos jovens ou nem tanto.
O Prefeito de Blumenau decretou, pouco após a invasão ao Centro de Educação Infantil Bom Pastor, luto de 30 dias no Município e colocou o Poder Público à disposição dos familiares das crianças. O Presidente da República publicou nota, assim como o Ministro da Educação, condenando o crime e se solidarizando com a comunidade.
Não há quem fique imune, perto ou longe, geograficamente.
Levei 24h para acreditar no que ouvi e li.
Não postei, repostei ou me manifestei no Facebook ou Instagram, buscando via WhatsApp um mínimo de informação e, ainda assim, apenas para tentar aliviar o torpor e a incredulidade de quem precisou parar, processar a ligação recebida e atravessar a cidade para buscar as filhas que estavam em uma ESCOLA NAS IMEDIAÇÕES DO CRIME HEDIONDO.
Uso este espaço, destinado à promoção do estudo e do debate do Direito do Trabalho, para trazer alguns pensamentos que não me deixam “virar a chave”. Imagino que ela possa ter quebrado de tanto forçá-la. O tempo dirá.
As reações gerais à ação específica me causaram tamanho espanto, consciente de que o “mundo do trabalho” também integra o “mundo dos sentires e viveres”.
Apenas “lançando ao ar”:
O autor da tragédia, após cometê-la, se apresentou à polícia e a confessou. Notoriedade e consagração nas redes são seus maiores objetivos, tratando a chacina como um desafio ou aposta da internet (game).
O autor da tragédia não é natural da cidade, vindo de um centro menor do estado vizinho, com pouco mais de 20 anos, para trabalhar como motoboy. A luta pela sobrevivência em um trabalho precário, sob condições que demandam a migração interna.
As vítimas diretas do crime eram crianças em idade pré-escolar, sendo atacadas dentro da própria escola. A violência nua e crua não permite defesa, aniquilando o presente e o futuro, praticada no local por excelência de acolhimento, aprendizagem e desenvolvimento psicossocial.
Professores, familiares e amigos vêem o terror nos olhos e pouco podem diante dele. Desprendimento de qualquer laço de significação ou de pertencimento. Como viver depois disso? Para que? Como voltar ao local de trabalho ou deixar @ filh@ em uma escola, por mais protegida que se declare, conseguindo trabalhar?
Usando o bordão dos hermanos argentinos, marca do fim de um período sombrio de sua história, só resta anunciar em alto e bom tom NUNCA MAIS!
Poderia escrever, descrever e reescrever muitas outras linhas. Preferi parar por aqui, pois a vida é um sopro, como sabiamente afirmou Oscar Niemeyer ao completar 100 anos.
E se uma coisa aprendi nestes 16 anos em Blumenau e no Vale do Itajaí é que diante de uma tragédia, causada pelas águas, pelas terras ou pela mão “humana”, primeiro choramos, depois arregaçamos as mangas e acolhemos quem ainda chora, sem esperar algo ou alguém dizer para reiniciar, mais uma vez, o eterno reconstruir.
Neste chão, todos sabem, há tempos, que NINGUÉM TIRA NOSSA FORÇA.
Mas, talvez, seja o momento de entender que só força não tem adiantado.
Para além dela, é mais do que chegada a hora de reafirmar nossa HUMANIDADE.
Solidariedade hoje e sempre, em Blumenau e por tudo mais.
Perplexidade sem fim. Dor idem. Psicopatas não tem lógica, nem sentimentos bons ou remorso, porque não tem empatia e menos ainda cura ao que se sabe. E estão em todas as camadas sociais, inclusive no mundo do trabalho onde essas características são bem aceitas. É um fio a ser puxado nesse novelo social.
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Confesso que acreditei em uma humanidade melhor após os atos de solidariedade frente a essa pandemia que foi tanto cruel. Mas penso que ela tenha cobrado um preço psicológico bem alto dos que sobreviveram, o que, somado a esses tempos sombrios de violência institucionalizada, instigou o pior em alguns seres humanos. A cada ato de maldade desses morre um pouco da gente, de modo que não é fácil manter acesa a chama da fé nas pessoas. Mas vamos em frente.
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Essa tragédia deixou-nos a todos perplexos. Que tristeza que não acaba mais! A humanidade está perdida? Não creio, mas fica difícil seguir em frente. Cada dia uma notícia ruim. Mas a vida exige, a vida cobra. Como disse o nosso Drummond: “Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer./Chegou um tempo em que não adianta morrer./Chegou um tempo em que a vida é uma ordem./A vida apenas, sem mistificação”. Grande abraço, caro amigo Oscar.
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