Oscar Krost
Um desaparecimento sem vestígios flerta com o impossível e desafia a lógica. E como toda trama é feita de fios e alguma parte deles, cedo ou tarde, acaba desgarrada da rede, parece inevitável a formação de uma trilha a ser seguida.
“Mestre dos magos”, personagem principal do clássico desenho animado “Caverna do dragão”,1 devem ter lembrado uns; o enigma da esfinge, pensaram outros. “Nada a ver”, definiram os mais jovens.
“A ilha do medo”, filme dirigido por Martin Scorsese e estrelado por Leonardo Di Caprio e Marc Buffalo (2010), em adaptação para o cinema do romance de Denis Lehane (2003),2 narra a história do desaparecimento de uma paciente psiquiátrica e a investigação realizada por dois policiais federais. A história se passa na década de 1950 em uma ilha em que situado um complexo de internação compulsória para delinquentes inimputáveis.
São mais de 2h de voltas e reviravoltas, recheadas de pistas nem sempre simples ou compreensíveis. Seguindo a velha escola hollywoodiana, ao melhor “estilo Scooby-doo”, tudo acaba explicado ao final e sintetizado na frase dita por Di Caprio na cena de encerramento: “Viver como um monstro ou morrer como um homem bom?”
Lembrar de “A ilha do medo” neste 1º de maio é propor a busca pela reflexão sobre a atmosfera em que os sujeitos subordinados no mundo do trabalho, atendam pelo nome que atenderem – colaboradores, autônomos, parceiros, cooperados ou outros mais criativos -, se encontram há algum tempo no Brasil. Os atores juslaborais, com destaque a membros da Advocacia, Magistratura e Ministério Público do Trabalho, também não ficam de fora.
Fragmentados, isolados, sem chance de fuga ou previsão de qualquer mudança para melhor. Tal qual no filme, impressões dão lugar a fatos e a experiência refuta narrativas artificiais, falaciosas e inverídicas.
Números e dados confirmam que reduzir Direitos Sociais não aumenta o índice de empregos, degreda os postos de trabalho existentes e reduz poder de compra. Com isto, ocorre a desaceleração da roda de consumo, desaquecendo a economia e afetando a produção, atividade na qual empregos tem sua principal causa.3
Retirar das organizações coletivas o poder negocial, esvaziando o comando do art. 8º, inciso III, da Constituição, pelo qual “ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas”, e ampliar as matérias de ajuste, tanto na esfera individual, como na coletiva, como fez a Lei nº 13.467/17 (“Reforma Trabalhista”), a exemplo dos arts. 444 e 611-A e B da CLT, leva, verdadeiramente, à troca de uma legislação protetiva e isonômica pela “lei da selva” ou “do mais forte”, ao melhor estilo “quem pode mais, chora menos”.
Assim, sem um Estado atuante e protetivo, por meio de ações e políticas públicas de cada um de seus 3 Poderes, harmônicos e independentes, não há sociedade possível e minimamente equitativa, tornando o objetivo-promessa constitucional do art. 1º, inciso III – “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” – uma quimera. Sem sindicatos atuantes e fortalecidos, inexiste negociação entre capital e trabalho. E sem emprego decente – ou trabalho decente, como prefere a OIT -,impossível falar em dignidade da pessoa humana.
Que este 1º de maio nos permita romper com retóricas falaciosas em prol da segmentação da sociedade em ilhas rodeadas por medo, a fim de que possamos aproveitar as pedras atiradas sem trégua contra o Direito do Trabalho, do qual trabalhadoras e trabalhadores são parte, para erguer pontes capazes de unir os arquipélagos de uma vez por todas. Sem isto, seguiremos repetindo a indagação existencial que pouco agrega a uma mudança de cenário: “Viver como um monstro ou morrer como um homem bom?”
1 “Dungeons & Dragons” – nome original – foi uma série produzida entre 1983 e 1985 com duração de 03 temporadas e 27 episódios, produzida pela rede de televisão norte-americana CBS, conforme informações disponíveis em <https://pt.wikipedia.org/wiki/Dungeons_%26_Dragons_(s%C3%A9rie_animada)>. Acesso em: 1º ma. 2023.
2 Ficha técnica e demais detalhes da obra, disponível em <https://pt.wikipedia.org/wiki/Shutter_Island>. Acesso em: 1º mai. 2023.
3 A produção acadêmica é vasta sobre esta linha de percepção, merecendo destaque KREIN, José Dari; OLIVEIRA, Roberto Veras de; FILGUEIRAS, Vitor Araújo (Organizadores). Reforma Trabalhista no Brasil: promessas e realidades. Campinas/SP: Curt Nimuendajú, 2019, FILGUEIRAS, Vitor Araújo. “É tudo novo”, de novo: as narrativas sobre grandes mudanças no mundo do trabalho como ferramenta do capital. – 1ª ed. – São Paulo: Boitempo, 2021 e LEME, Ana Carolina Paes. Da máquina à nuvem: caminhos para o acesso à justiça ela via de direitos dos motoristas da Uber. São Paulo: LTr, 2019.
Meu caro amigo Oscar Krost, você morrerá como um homem bom, mas como as coisas estão acontecendo, fico pessimista com essa trilha proposta por você. Que esteja com razão, é minha torcida. Ótimo artigo. Grande abraço.
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Excelente texto! Parabéns! Abraços, meu querido!
Verô
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